sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A infraestrutura do futebol feminino no Brasil: mais um adversário a ser vencido

É preciso conhecer de fato a real situação para planejar uma estruturação da modalidade

Rita de Cássia Bove

Quando falamos sobre futebol feminino no Brasil, o que geralmente nos vem à cabeça é uma menor parcela referente à seleção nacional, e por vezes nos esquecemos, ou, o mais comum, desconhecemos equipes estatuais, clubes, campeonatos e tudo mais que envolva modalidade.

Desde muito tempo as mulheres protagonizam fatos dentro do futebol brasileiro, porém sofrem com um processo cultural até os dias atuais, estando ainda sob um papel de domínio e submissão masculina. A partir daí, podemos analisar e destacar as dificuldades encontradas pelas nossas mulheres (guerreiras), dentro desta luta constante que é o futebol feminino, sobrevivendo às “migalhas de uma mesa farta”, que é o futebol masculino.

Um bom exemplo que podemos citar em função disto é referente à infraestrutura fornecida por um clube de futebol feminino às suas atletas. O que todo mundo tem em mente é apenas um parâmetro do futebol masculino, com belos centros de treinamento, uma enorme gama de profissionais da saúde para melhores cuidados, alimentação adequada e balanceada, altos salários, equipes infanto-juvenis, enquanto normalmente o futebol feminino passa despercebido, sendo invisível aos olhos da grande maioria das pessoas.

Basicamente todos os clubes de futebol feminino trabalham de forma amadora ou semiprofissional, junto de parcerias com prefeituras, existindo apenas um “contrato de boca” entre as partes (investidores, clubes, atletas etc.). Alguns clubes ainda tentam buscar documentos formais para concretizar tais parcerias, mas são apenas simbólicos, e, são poucos. Foi pensando nisso que eu, atleta de futebol feminino, no término de minha graduação em Educação Física, junto de mais alguns colegas de curso, buscamos investigar e trazer de forma mais concreta como se encontra a infraestrutura dos clubes de futebol feminino no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo, que é considerado o pólo mais forte da modalidade no país, uma vez que a vivência e enorme contato com este esporte nos faz ter uma visão diferente e detalhada, dentro de alguns pontos de vista comuns. 

Foram considerados para a pesquisa alguns itens que acreditamos ser bem relevantes para que se possa manter uma equipe de alto rendimento, sendo eles: moradia para as atletas; alimentação; materiais e condições para treinamento; despesas de viagens e transporte; equipes multidisciplinares de saúde; convênio médico e/ou hospitalar; salários e condições de estudo. 

Os resultados foram, de certa forma, satisfatórios, mas, no entanto, foi uma investigação “superficial”, pois conhecendo bem a real situação, sabemos que existem muitos problemas mascarados. E, antes de qualquer coisa, era preciso mostrar algo mais fácil de ser compreendido, para que posteriormente pudéssemos dar continuidade aos fatos.

Conforme pudemos constatar pelos questionários encaminhados às atletas dos clubes pesquisados, em sua maioria estas agremiações oferecem alojamento para moradia das atletas, porém, não se sabe exatamente qual a qualidade destes. Se o espaço para acomodar pessoas é suficiente, se as condições de higiene são adequadas, se é bem localizado, enfim, é muito mais do que só avaliar se há ou não. Quanto à alimentação, segue-se o mesmo protocolo da moradia: os clubes fornecem, mas quantas são as refeições diárias? Será que é específica para atletas? Nem sempre.

Os locais de treino por vezes são muito irregulares e a quantidade de materiais esportivos para se trabalhar são razoáveis e, em sua grande parte, improvisados, principalmente quando se trabalha a parte física (exemplo: tração elástica, feita com câmaras de pneus de bicicletas). Assim como o transporte para treinos e jogos, que muitas vezes é feito com pequenas vans ou micro-ônibus, que, cá entre nós, para um time de futebol não é muito adequado.

Uma equipe de alto nível precisa de minuciosos cuidados. E a realidade com o futebol feminino é bem cruel.

As despesas com viagens para jogos, por exemplo, devem ser as mínimas possíveis e, devido isso, a grande maioria das equipes acaba sendo obrigada a viajar no mesmo dia da partida. Fato este que pode interferir durante o jogo, pois envolve todo estresse mental e físico provocados pela viagem, dependendo da distância que se percorre.

A maior parte dos clubes também não possui nenhum tipo de convênio médico e/ou hospitalar, o que preocupa muito, uma vez que o atleta sempre está sujeito a lesões e cuidados com sua saúde. O que acontece muitas vezes, em casos extremos como cirurgias, a atleta é obrigada a esperar na fila do sistema único de saúde (SUS), até que se obtenha a vaga. Isso quando não é forçada a buscar auxílio por si só e tem que tirar recursos do próprio bolso para arcar com as despesas. Lamentável.

Outra coisa que preocupa bastante é a falta de profissionais multidisciplinares no clube. Faltam médico, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista... Somente o Educador Físico (muitas vezes representado pelo preparador físico e/ou técnico) se faz presente, talvez um dos únicos pontos positivos em relação à comissão técnica para a modalidade. Estes profissionais são de suma importância quando se busca o alto rendimento, afinal, são pequenos detalhes que diferenciam bons trabalhos e determinam melhores performances.

Mas um ponto crucial quando se trata de futebol feminino está em relação aos salários, que são chamados de “ajuda de custo”, já que em boa parte dos casos nem atingem o piso mínimo salarial de nosso país. Não há também um registro em carteira, uma vez que não se tem como contratar uma atleta, assim como no futebol masculino, pois o futebol feminino “não pode” ser considerado esporte profissional (isso porque somos o “País do Futebol”...). Em contrapartida, os clubes buscam alternativas como bolsa de estudos em universidades, para que assim as meninas continuem nutrindo o sonho de jogar futebol e, desta forma, garantir um futuro pós-esporte, o que não acaba sendo uma má ideia.

O interesse das meninas pelo esporte vem crescendo e já é possível ver essa crescente, mas falta investimento, principalmente nas categorias de base. Alguns dos clubes possuem “times de menores”, mas ainda é muito pouco, pois o que existe são equipes sub-18, outras categorias ainda estão em déficit.

Com isso, o menino, com 17 anos de idade, por exemplo, quando vai para uma equipe principal, já chega pronto, com os fundamentos básicos do futebol bem apurados, enquanto que a menina chega para começar a aprender.

O futebol feminino ainda possui muitas dificuldades e é preciso reformulação. Basta de “remendos”.

Mas como melhorar se não há informações e fatos concretos que comprovem amplamente tais situações? É por isso que a dificuldade em encontrar dados que mostrem estatisticamente como se apresenta a infraestrutura do futebol feminino no Brasil, se faz urgente.

Há pouquíssimos estudos. Não há, por exemplo, instrumentos, escalas ou um questionário básico como WHOQOL-100 (usado para avaliar a qualidade de vida das pessoas), que possa ser utilizado como fonte de pesquisas. Dessa forma, fica mais difícil mensurar com fidelidade em que nível encontram-se nossas equipes femininas e assim propor melhorias. É preciso improvisar muito, adaptar, buscar recursos, enfim, a grosso modo, temos que “nos virar e revirar”.

É bem verdade que o futebol feminino vem evoluindo nos últimos anos, e boa parte dos clubes já melhoram muito sua infraestrutura, se comparada com décadas anteriores. Entretanto, ainda encontram-se muito aquém do que se espera para equipes de alto rendimento (equipes profissionais), pois até mesmo as condições básicas para tal, quando analisadas a fundo, são precárias.

Mas são necessários dados mais fidedignos, com relatos mais expressos, das mais variadas partes que estão envolvidas neste esporte, como nós atletas, técnicos, dirigentes, familiares, entre outros, para que assim possamos saber a visão de cada um, de forma a subsidiar as análises em relação a quanto melhoramos, onde melhoramos e o que mais precisamos melhorar.

É preciso termos um melhor planejamento de estruturação da modalidade. Enfim, operacionalizar uma força de trabalho que alie experiência e estudos de pessoas sérias no sentido de tirar o futebol feminino da condição de “patinho feio” do cenário esportivo nacional.

Tags: administração, Futebol feminino, negócios, investimento, planejamento estratégico,marketing, interdisciplinaridade, sociabilização,

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domingo, 5 de agosto de 2012

Falando de planejamento, pensamento coletivo e futuro

René Simões nasceu em 17 de dezembro de 1952 e vem de uma família pobre com 11 filhos. Sua paixão pelo futebol vem da infância, das peladas jogadas em Cavalcante, no Rio de Janeiro, tanto que chegou a jogar pelo São Cristóvão. Mas foi a carreira de técnico que realmente chamou a sua atenção e, assim, resolveu cursar educação física na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua primeira equipe foi o Clube Ginástico do Rio de Janeiro, em 1973.

Desde então René não parou mais. Atuou como técnico em clubes e seleções nacionais, como Fluminense, Coritiba e Vitória, além dos internacionais como Al Arabi Sports, Al Ryan Sports, Trinidad & Tobago Football Federation e Al Khor Sports Club. Membro do painel de técnicos da FIFA desde 2000, treinou a Seleção Brasileira Feminina, da Jamaica e da Costa Rica. Atualmente é diretor técnico do São Paulo Futebol Clube.

 

“Antes termos uma crença considerada errada que não termos nenhuma crença. Antes um projeto pelo qual lutar e que balize nossa luta, que querermos sem saber como nem o que objetivar” – (Benê Lima)

 

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Foto: Reprodução/Rede Record

 

Ao ver o nosso futebol feminino ser eliminado dos Jogos Olímpicos, lembrei de uma passagem que tive em 1993, quando fui campeão nacional do Qatar com o Arabi Sports Club. Naquele ano, as eliminatórias para a Copa de 94 foram em Doha, capital do Qatar, e o jornal esportivo A Bola de Portugal me convidou para fazer a cobertura do jogo entre Japão e Iraque.

Para resumir, até o último minuto de jogo, o Japão ganhava e se classificava quando o Iraque empatou e acabou com as possibilidades japonesas. Na coletiva de imprensa quem falou foi o presidente da federação e não o treinador. E ao contrário de explicar a derrota, ele falou sobre o super projeto que tinham para os próximos quatro anos. Segundo ele, não interessava o jogo, não interessava que faltava um minuto e estavam classificados, e não importava quem eram os culpados. O passado servia de lição e aprendizado, e o que importava era o futuro. Conclusão, o Japão nunca mais ficou fora de uma Copa.

Hoje, me atrevo a ter a mesma atitude do presidente, não me interessa o jogo, o passado, os culpados. Me interesso pelo futuro. Em 2004 desenvolvi um projeto para o ciclo olímpico de 2008 e entreguei em mãos do presidente da CBF. Até hoje aguardo a reunião para discutí-lo. Há seis meses, o ministro dos esportes Aldo Rebelo reuniu alguns representantes do futebol, entre os quais fui incluído e solicitou um projeto eficiente para o futebol feminino. Fui nomeado relator e junto com a Michael Jackson, coordenadora de futebol, tivemos a respondsabilidade de juntar as ideias e finalizar o projeto.

Abaixo segue o texto de apresentação do projeto, e aos poucos irei  comentando-o com vocês.

Apresentação

Sempre discriminada e relegada a segundo plano, a mulher vem mantendo sua dignidade e perseverança ao longo do tempo. Rotulá-la como sexo frágil depois de tantas lutas, sofrimentos, derrotas temporárias e conquistas brilhantes em diversos setores e países, não faz sentido, como também, não existe maior maldade do que a perda de um talento por falta de oportunidade.

Já passou da hora de nosso país pensar mais do que seriamente na criação de fábricas de talentos em diferentes setores. Os países mais evoluídos criam essas oficinas nas escolas desde a Classe de Alfabetização até a universidade, socializando as oportunidades. Os meninos e meninas se descobrem e tem a chance de colocar suas aptidões e talentos em exposição, em feiras, desfiles, desafios, campeonatos, etc. Eles são estimulados e oportunizados a mostrarem no que são bons.

Temos que construir a mansão do futebol feminino de forma diferente da construção de qualquer casa, onde se começa pela fundação. Esta mansão terá que ser construída do telhado para a fundação, pois temos que observar o ciclo olímpico. É importante que descubramos e formemos já, uma seleção capaz de trazer as medalhas do Mundial 2015 e das Olimpíadas de 2016, e construamos ao mesmo tempo, bases duradouras na descoberta, formação e aperfeiçoamento de atletas e profissionais.

O Brasil, país dito livre de preconceitos de todos os tipos, vem demonstrando que a verdade em relação ao futebol feminino, passa bem longe de ser real nesse aspecto. Nada foi feito de forma a se tornar perpétuo, permitindo que novas gerações de futebolistas se beneficiem dessas iniciativas, quer públicas ou privadas.

Pela primeira vez uma presidente do Brasil demonstra interesse pela modalidade e pede ao seu ministro dos esportes, que é apaixonado pela modalidade, que coloque um sistema que possibilite os nossos canarinhos fêmeas, conquistar voos tão altos como os canarinhos  machos, penta campeões do mundo para que se mantenham no ar. Ou fazemos agora, com a Copa do Mundo e as Olimpíadas em nosso solo ou perderemos o trem da oportunidade.

Objetivos específicos

1 - Definir as ações do Ministério dos Esportes em relação ao futebol feminino;

2 - Estimular à CBF na criação de parcerias com o Ministério dos Esportes e o COB;

3 - Estabelecer prática do futebol feminino nas aulas de Educação Física no Ensino Fundamental I, II e Médio (de acordo com o artigo 217 da Constituição Federal);

4 - Dobrar o número de praticantes brasileiras até 2015 (29 milhões de mulheres no mundo segundo dados da FIFA e 400 mil praticantes regulares de acordo com levantamento feito em 2006 pelo Atlas do Esporte);

5 - Aumentar o número de clubes que possuem futebol feminino em 50% até 2015;

6 - Inserir o futebol feminino nos JEBS e JUBS;

7 - Incluir o futebol feminino nos jogos escolares municipais em todo território nacional;

8 - Criar programas de capacitação de profissionais  para trabalhar com  o futebol feminino;

9 - Criar cinco (5) centros olímpicos regionais (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) de formação e capacitação de atletas e profissionais para o futebol feminino. (De acordo com o artigo 217 da Constituição Federal);

10 - Elaborar junto à CBF o novo calendário anual do futebol feminino, respeitando-se os anos de Olimpíadas e campeonatos mundiais;

11 - Subsidiar diretamente ou através de patrocínios privados e obrigar as Federações a realizarem os campeonatos  estaduais, dentro do calendário definido pela CBF;

12 - Criar o campeonato nacional (NFB, novo futebol feminino) de equipes, respeitando-se o calendário elaborado pela CBF;

13 - Incentivar a criação e adoção permanente (4 anos) da seleção brasileira principal de futebol feminino, atendendo ao ciclo olímpico para 2016;

14 - Criar condições para a realização de quatro torneios internacionais por ano, sendo dois no Brasil e dois no exterior;

15 - Exigir que os contratantes (clubes) registrem em carteira profissional de trabalho as contratadas (jogadoras) de acordo com o art. 29 da Lei 9.615/98 - Lei Pelé;

16 - Criar a Ouvidoria dentro da Coordenaria Geral do Futebol Feminino do Ministério dos Esportes;

17- Criar o piso salarial  nacional da atleta de futebol profissional.

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