terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Futebol feminino está abandonado de novo

ALEX SABINO 
alex.sabino@diariosp.com.br

Clube encerrando atividade, técnico da seleção migrando para o masculino... Tudo volta a ser como antes

Marta é o símbolo da modalidade no país. Não deveria. Ela é exceção

Dizer que o futebol feminino no Brasil sofre com abandono é quase lugar-comum. Mas as coisas pareciam mudar. Um grande clube do país, o Santos, montou um time forte, repatriou Marta e conquistou títulos. A final dos Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007, levou 70 mil pessoas ao Maracanã. Se não foram remuneradas no mesmo patamar dos homens, algumas jogadoras começaram a receber salários suficientes para uma vida digna.

Tudo ilusão.

“A impressão que nós temos é que este esporte está acabando mesmo no país”, constata Marcelo Frigerio, que dirigiu a seleção da Guiné Equatorial na última Copa do Mundo e começa um projeto da modalidade no XV de Piracicaba.

São poucas as equipes que apostam na categoria. A maioria esmagadora que sobrevive é bancada por prefeituras ou projetos sociais. Os pagamentos às atletas não ultrapassam R$ 1 mil ou são bolsas de estudos em faculdades. O anúncio de que o Santos encerraria as atividades causou comoção. “Há problema de visibilidade. As empresas enxergam isso como prioridade. Se não aparece a TV, fica difícil. Se você olhar para o histórico do Santos, quando tivemos jogos transmitidos, conseguimos patrocinadores pontuais. Quando olha para o calendário, não tem garantia de nada”, diz o gerente de  marketing do Peixe, Armênio Neto.

As lágrimas da atacante Érika, titular das Sereias da Vila (como era chamada a equipe), foram mostradas em rede nacional. “Tenho proposta para jogar na Coreia. E as outras meninas?”, questionou, despertando a solidariedade superficial de sempre.

Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO apontam vários problemas para o esporte crescer. O principal é a necessidade de os jogos serem transmitidos. Se isso não acontecer, ninguém vai querer patrocinar. Os públicos são pequenos, muitas vezes com menos de 200 pessoas nos estádios. A final do Paulistão de 2011, entre Santos e Botucatu, teve duas mil testemunhas.

Desistiu/ Kleiton Lima, técnico da seleção brasileira no último Mundial e há 15 anos trabalhando na modalidade, jogou a toalha. Lançou-se em carreira no masculino e é assistente no Red Bull Brasil, que vai disputar a Série A-2 do estadual. “É preciso um processo mais complicado do que simplesmente estar na televisão. Todo mundo cobra os clubes, que jogam para a federação.  A TV só aparece nos momentos em que cabe a ela aparecer. Se todos ajudassem, sem fazer loucura, o futebol poderia sobreviver num processo parecido com o do vôlei feminino. Pode não estar no mesmo patamar do masculino, mas tem calendário, times e  ganha títulos”, analisa.

No ano passado, em audiência no Palácio do Planalto, o então ministro dos Esportes, Orlando Silva, fez promessa a dirigentes. Garantiu convencer estatais a anunciarem nos intervalos das emissoras que levassem ao ar  jogos. O Bandsports, vendido na última semana para a Fox Sports, se interessou. Ficou na conversa.

São muitas histórias de tentativas, esperança e decepções. Em 2010, o Palmeiras tinha negociação de patrocínio. Divulgou peneiras e selecionou garotas. Na última hora, a empresa que bancaria o projeto voltou atrás. O Santos conseguiu acordo com a Copagaz, que pagou R$ 1,2 milhão para patrocinar a camisa. No final da temporada, decidiu não renovar. Argumentou que a visibilidade era pequena. “É impossível trabalhar assim”, reclama Frigerio.

E assim o futebol feminino voltou ao estado de antes. De puro abandono.

Entrevista 
Kleiton Lima_ Assistente técnico do Red Bull
‘Só se lembram do futebol feminino perto da Olimpíada’

DIÁRIO_  Algum fator foi determinante para você quando tomou a decisão de abandonar de vez o futebol feminino?
KLEITON LIMA_ Todo mundo se lembra do futebol feminino perto de Olimpíada e Mundial. Depois, se esquece por quatro anos. Isso cansa, né? Temos de trabalhar muito por muito tempo para aparecer por um período curto demais, que não dura nem um mês. Tem sempre de partir do zero de novo, sempre.  Estão falando agora por causa dos Jogos de Londres. Depois, se esquecem de novo.

A transição do feminino para o masculino é fácil? 
É mais fácil do que se fosse o caminho inverso. Você recebe a menina e tem de ensinar tudo, porque ela não teve educação futebolística. A maior diferença de tudo é a parte emocional. No feminino, você tem de fazer o papel de pai, amigo e conselheiro, muitas vezes. A mulher leva para dentro de campo os problemas que tem fora. O homem vê como trabalho, mesmo. Sair do feminino para ir ao masculino é mais fácil do que seria fazer o caminho inverso.

Mas o que se observa é que estava acontecendo uma evolução, apesar de tudo.

Estava. Houve massificação, o número de atletas cresceu, competições apareceram. Mas ainda está muito distante. Muito aquém do que é o feminino na Ásia, na Europa, na América do Norte. Estão sempre na frente. E, para completar, sempre aparecem problemas que nos fazem regredir. É incrível. 
 
No masculino é mais fácil? 
Bem mais.  Você tem estrutura bem melhor. Quando comecei no feminino, tinha de fazer todas as funções da comissão técnica. Era preciso adequar o treinamento com criatividade.

Nordeste aposta na modalidade, apesar de tudo

O Nordeste pode virar opção. O América-RN aposta na categoria e contratou a atacante Formiga. O Vitória de Santo Antão (PE) faz trabalho de base para revelar atletas e quer levar a Libertadores deste ano para Pernambuco.

“Dizem que o feminino não dá retorno nem dinheiro. Mas quantos times no masculino têm? As pessoas no futebol precisam enxergar os dois lados da moeda. Há retorno na mídia, sim. Isso é dinheiro”, afirma Paulo Maeda, coordenador do clube.

Ele tem longa lista de serviços prestados ao futebol. Seu trabalho no departamento amador do Santos culminou na revelação de Diego, Robinho e na formação do time campeão brasileiro de 2002. Nas vendas das revelações, o clube faturou R$ 150 milhões.

Há quem defenda faltar a conquista de um título de expressão por parte da seleção. A medalha de ouro olímpica e o título mundial poderiam dar um gás mais duradouro para a modalidade. As derrotas em jogos decisivos apenas despertam piedade e apoios efêmeros.  “Conheço o futebol por dentro e digo que há várias equipes em que o custo é zero. O time não paga nada para as meninas. Essa jogadora, quando chega aos 18, 20 anos, vai fazer outra coisa porque precisa ajudar a sustentar a família”, diz Frigerio.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Futebol feminino do Brasil dá retorno

Se não há um retorno financeiro imediato, se não se dá o respeito em apoio e oportunidade de cidadania em praticar plenamente o esporte, o que resta para a modalidade e nossa seleção?
Márcia Oliveira*

Não existe ainda um mercado de milhões de dólares ou euros para o futebol feminino. Também não existe ainda a conscientização no Brasil de que investir no futebol feminino dê retorno. Não existe ainda um Brasil consciente de que o futebol feminino é diferente do masculino somente na condição biológica, muscular, e no histórico de progresso, investimento e retorno. O futebol feminino não deve ser colocado para escanteio e tratado com desprezo, isso somente porque a cultura brasileira ainda identifica o esporte com o gênero – masculino.

Temos esperança de que um dia o futebol feminino seja tratado com mais direcionamento, respeito e seriedade. Vale a pena lembrar que outros setores da sociedade e profissão já sofreram com problemas de apoio, respeito, e preconceito. No século passado, a profissão de atriz, que hoje em dia gera celebridades, era marginalizada. Elas eram vistas como uma vergonha para a sociedade, a ponto de suas filhas não poderem estudar em colégio de freiras. Preconceito e desrespeito ao ser humano.

O futebol feminino já está muito além disso hoje, mas já existiram situações parecidas, como padres no interior da divisa de Minas com São Paulo que fecharam a porta da igreja por uma semana, enquanto a seleção feminina estava treinando na cidade. Graças à Deus, esses tempos já mudaram, mas ainda temos muito que buscar.

Esportes em geral, não só o futebol, são instrumento de cidadania. E este também é de consumo e mercado. Esporte é para todos, não importa idade, gênero, e grau de instrução. O futebol é paixão nacional, todo mundo sabe, mas não só os homens têm o direito de ser vistos como os únicos que possam praticá-lo e ser valorizados por fazê-lo.

O esporte hoje, é um dos mais importantes instrumentos de cidadania. Mas o que tem isso a ver com apoio e retorno no futebol feminino? Muito. Veja neste artigo vários documentos de apoio e planejamento da Fifa, incluindo a afirmação de que “futebol é para todos” pelo dirigente da entidade maior do futebol.


Simpósio de Futebol Feminino da Fifa. Mensagem “Futebol é para Todos” (Joseph S. Blatter)

 

Enquanto a Fifa entende que deve existir apoio e trabalho em conjunto com as federações nacionais, sendo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) uma delas, para promover o futebol feminino e aumentar o número de envolvimento no esporte de meninas e mulheres (técnicas, árbitras, administradoras e dirigentes das entidades do esporte), outras situações no Brasil parecem exemplificar que isso é bem difícil de se tornar possível.

Um dos problemas existentes é ver que, segundo uma rádio nacional comentou, gasta-se em um mês com um jogador ídolo da torcida do Santos,o que se gasta em um ano com o time feminino do mesmo clube. Isso é um absurdo! É triste e tremendamente decepcionante saber disso. Nada contra o jogador, ídolo da torcida, mas é uma vergonha que um clube tenha a coragem de acabar com o time feminino por "falta de patrocínio", com uma despesa desse tipo somente para um dos seus jogadores. Essa balança certamente está errada, enquanto há outras prioridades e importância para o sustento do futebol feminino.

Então, o que fazer quando o interesse de dirigentes que entram ou saem são diferentes, quando presidentes de clubes têm uma visão somente focada em negócios, podendo ser a favor ou contra esse ou aquele esporte, podendo ter uma estratégia ou não de apoiar e investir no futebol feminino? Eles têm o total poder de decisão. Eu escuto falar de dirigentes e pessoas de investimento que o futebol feminino não dá dinheiro e que não existe interesse. Pois bem, veja o quadro abaixo de uma pesquisa da Fifa:

 

Simpósio de Futebol Feminino da Fifa em 2011. O Brasil é primeiro em interesse de participação. 39% dos entrevistados dentre 15,402 cidadãs de cada pais, entre 16-69 anos de idade.

 

Segundo essa pesquisa, o Brasil vem em primeiro lugar em interesse em participar no futebol feminino, mas as oportunidades são muito poucas, e os dirigentes acreditam que não vai dar certo, não se tem interesse e, consequentemente, retorno. Com tão pouco times de futebol feminino no Brasil, e muito menos em times de expressão nacional, como solucionar essa questão e aumentar o apoio e a atenção no futebol feminino? Interesse existe!

Eu tenho a plena certeza de que não adianta somente criar times de futebol feminino Brasil afora. Não adianta somente criar uma coordenadoria para o futebol feminino no Governo Federal, como também não adianta somente procurar patrocínio para manter times. A qualquer hora tudo isso acaba.

Então, o que adianta? Será que outros paises têm mais apoio e respeito. Será que fizeram diferente para manter o crescimento e solidificar o esporte no país no presente e para o futuro? Ou simplesmente, o que adiantaria, seria as atletas irem procurar esse apoio no exterior, jogar fora do país, e deixar uma seleção sem as atletas mais talentosas?

O futebol feminino dos Estados Unidos no seu começo teve seus momentos de tensão e problemas. Elas já mostravam que tinham muito mais potencial em âmbito mundial do que a seleção masculina, e até hoje isso acontece. Mesmo assim, no seu início, elas tinham muito menos apoio que a masculina, mesmo ganhando uma Copa do Mundo.


O Jornal Los Angeles Times escreve sobre a greve da seleção feminina dos EUA por causa da falta de apoio e reconhecimento.

 

As jogadoras resolveram, então, agir, juntamente com suas familias e público em geral, que deram apoio à ação delas. As jogadoras não atenderam a convocação da federação, resolvendo fazer greve e se ausentando de participar da seleção. Elas reivindicaram apoio, respeito e ajuda para poderem continuar a crescer no seu potencial e ter uma sustentação. Sofreram muito, mas conseguiram ter a atenção, apoio e, acima de tudo, continuar a praticar o esporte e representar o seu país com dignidade de cidadania e valorização. Você pensava que tudo foram "flores" ou uma maravilha para a seleção dos EUA, que tem sido uma das melhores equipes dos últimos 20 anos? Não.


A impressa americana cobre a seleção feminina de futebol feminino com naturalidade, fazendo marketing, negócios e dando visibilidade.

 

Outros países, como os europeus, também tiveram as suas lutas e agora têm todo um sistema que confere estrutura, mas que ainda tem muito a melhorar.

E o Japão? Atual campeão mundial, ganhando justamente dos EUA e da Alemanha no Mundial do ano passado: será que tudo foi sempre perfeito por lá para o futebol feminino? Também não.

Tudo começou com um sonho há 30 anos na federação japonesa. Melhores resultados foram conquistados com muito esforço, conscientização e, acima de tudo, estratégia e execução do planejamento. Um planejamento e investimento no futebol feminino para que em 10 anos eles pudessem ser campeões mundiais da categoria. Apesar da pouca credibilidade do esporte, pois nunca chegou entre os quatro finalistas nesta competição, o Japão aconteceu em 2011 no cenário mundial do futebol feminino. Terei o prazer de colocar detalhadamente todo esse planejamento do Japão em outro artigo.

No Campeonato Mundial da Alemanha, nem eu acreditei quando vi a equipe nipônica campeã do mundo! Eu estava lá, no estádio em Frankfurt, e meus olhos não podiam mentir. Isso me deixou muito feliz de ver que tudo é possível quando se quer e se faz acontecer, com apoio e direcionamento. Com planejamento, incentivo e profissionalismo. De quebra, a jogadora do Japão, Homare Sawa, ganhou o prêmio Bola de Ouro 2011 da Fifa como melhor jogadora do mundo, deixando Marta em segundo lugar.


O time feminino do Japão campeão do mundo em 2011.

A Fifa tem verbas destinadas a cada federação nacional (no Brasil é a CBF) para dar apoio financeiro ao futebol feminino. A verba não é suficiente para tanto; é preciso que o governo, clubes e outras entidades possam investir também. O presidente da Fifa já declarou que ver o futebol feminino como o esporte do futuro. Já na CBF, um supervisor da seleção feminina afirmou que se não fosse por essa verba e apoio da Fifa, a entidade já teria acabado com o departamento em questão.


Simposium da FIFA mostrando a verba total para investimento de 2012-2015 para o futebol feminino.

 

O gráfico acima mostra o planejamento que tem sido feito em apoio às federações nacionais, nas áreas de promoção, programas de desenvolvimento e programas de suporte ao desenvolvimento de competições no futebol feminino. O total calculado é em dólares e tem sido repassado também em anos anteriores.

As mudanças com apoio e melhores condições para a seleção brasileira já melhoraram muito desde 2004. Existiu um fator fundamental na arrancada do futebol feminino da seleção que se chamou professor René Simões. Ele mostrou respeito às meninas e buscou esse apoio financeiro para elas. Para aumentar a condição de cada uma das jogadoras de ter uma performance de alto nível, para aumentar a auto-estima, e para fazer um trabalhar melhor, René exigiu consultas para elas com ginecologistas, oculistas, dentista, fisiologistas, e psicólogas, além do tradicional tratamento fisioterápico. René exigiu também trabalhar com profissionais do mais alto nível, que dariam a atenção necessária à seleção como um todo, holisticamente, enquanto ele melhorava o desempenho delas no campo, com conceitos modernos, organização, e conjunto.

Com isso, ele direcionou, treinou e conseguiu resultados de alto nível. Na sua programação precisou de jogos amistosos, jogou alguns contra times masculinos no Brasil por não terem equipes femininas de qualidade.

Trouxe a seleção feminina para os EUA em 2004 para um jogo contra a seleção americana em preparação para as Olimpíadas. A federação americana estava pagando as despesas de viagem e hospedagem para a seleção do Brasil. René me contatou para eu conseguir alguns amistosos com times femininos locais, antes de enfrentar a seleção da casa. De modo geral, a CBF não dá condições ao futebol feminino fazer amistosos fora do país com outros países, a não ser que o Brasil seja convidado, e tenha despesas pagas.

A jogadora Cristiane, em uma entrevista no começo de 2012, ao Globo Esporte, reafirmou que só com convites pagos a seleção faz amistosos preparativos. A federação americana pagou para trazer a seleção do Brasil, e eu consegui apoio e despesas pagas de hospedagem, alimentação e condições de treino por 15 dias, incluindo os três amistosos que o René queria contra equipes de universidades dos EUA. Um apoio financeiro de aproximadamente 60 mil dólares para toda essa logística, e vindo de empresários e de pessoas que apoiam o futebol feminino neste país. O meu trabalho, diga-se de passagem, foi de graça em prol do futebol feminino brasileiro.

Foi o começo de uma brilhante jornada, que René relata no seu livro “O dia em que as Mulheres Viraram a Cabeça dos Homens”, se referindo ao futebol feminino que tinha, enfim, chamado a atenção da nação, na final das Olimpíadas de Atenas em 2004.


René e a seleção feminina na comemoração da medalha de prata olímpica de Atenas.

Outras coisas tristes acontecem no futebol feminino do Brasil que nem sempre têm a ver com treinamento, mas com atenção, planejamento e direcionamento. Certa vez conversei com umas das jogadoras e ela me disse que muitas delas na época atenderam a convocação da seleção por necessidade para dar às suas famílias algum dinheiro que recebem de diárias, e por isso atendiam a todas as convocações, ano após ano. Perdem aulas e anos de escolas servindo a seleção brasileira e quando deixam de ser chamadas por estarem mais velhas, já não têm como terminar os estudos e prestar um vestibular para ter uma profissão e melhorar de vida. Anos dedicados à seleção nacional e um futuro comprometido à pobreza. Triste. Me emocionei.


A serviço da US Soccer em 2008 (sou a primeira à direita, agachada), coordenei atividades de logística com a seleção feminina do Brasil para jogos amistosos contra os EUA

 

Se não há um retorno imediato em dólares e euros, se não se dá o respeito em apoio e oportunidade de cidadania em praticar plenamente o esporte, o que resta para o futebol feminino no Brasil e indiretamente para a seleção brasileira? Como que com muito pouco ainda conseguimos ir a uma Olimpíada, ao Mundial, e conseguimos resultados bons com os técnicos René Simões em 2004, e Jorge Barcellos em 2007 e 2008?

Em entrevista no dia da entrega da Bola de Ouro de 2011 na Fifa, o técnico do Japão, Norio Sasaki, foi perguntado por um jornalista brasileiro o que ele achava que o Brasil deveria fazer para manter uma continuidade de progresso com o futebol feminino, uma vez que o Japão havia tido esse planejamento e continuidade. Ele respondeu que o Brasil tem um potencial técnico extraordinário e no passado teve melhores resultados quando jogou um futebol moderno e muito próximo do melhor estilo do masculino. Ele via que o Brasil, como outros países, tem que continuar a jogar esse futebol moderno.

Temos que dar todo apoio possível para o experiente Jorge Barcellos, que voltou à seleção brasileira no final de 2011, ganhando o torneio Cidade de São Paulo. Ele tenta levar o Brasil de novo, e talvez a um patamar mais alto neste ano de Olimpíadas. Condição que, indiretamente, pode ajudar o futebol feminino do Brasil em geral.



Barcellos com a seleção em 2007-2008 (acima) e rumo às Olimpíadas de Londres

 

A Fifa tendo seus objetivos que são repassados às federações nacionais também tem uma missão que é clara, precisa e óbvia. O documento da entidade abaixo fala da missão de “desenvolver o jogo (o esporte futebol feminino), influenciar o mundo, construir um futuro melhor”. Se esse objetivo for levado realmente a sério, estrategicamente, muitas jogadoras terão “esse futuro melhor”.

 

 

Não temos uma base maior com clubes de nomes no país para sempre colocar mais e melhores jogadoras na seleção. Não temos um sistema que dá a base à seleção nacional como os EUA têm, com mais de mil universidades com times de futebol feminino, de primeira, segunda e terceira divisões.

Com essa falta de apoio, visão, coordenação e investimento, muitas das melhores jogadoras do Brasil jogam no exterior. Por clubes estrangeiros ou universidades americanas.

A pergunta se repete: como ainda conseguimos o vice-campeonato mundial e medalhas de pratas entre os anos de 2004 a 2008 sem uma base de sustentação maior, sem a ajuda de clubes e do governo? Além da capacidade extraordinária dos técnicos aqui citados, tem sido sem igual e impressionante a garra que as atletas tiveram para buscar o máximo que puderam até agora. Elas têm que manter o melhor de si sem a estrutura de clubes necessária e ter uma grande responsabilidade de exercer uma função positiva no futebol feminino. Muitas vezes arriscando o próprio futuro. Como o professor René Simões uma vez falou, “essas meninas valem ouro.”

Sabemos que os EUA têm grandes vantagens. Eles têm uma lei federal chamada “Title IX” (Título 9). Essa lei dá sustentação a essa vantagem. A lei faz com que cada instituição educacional ou esportiva que recebe verbas do governo ou que são isentos de impostos tem que dar apoio a modalidades esportivas no feminino, como também dar oportunidades de bolsas e verbas para as meninas em escolas e mulheres em universidades. Muitos administradores tentaram burlar a lei e acabaram sendo processados pelas famílias e governo, e perderam as verbas ou benefícios governamentais, até ficando sem poder de funcionamento com as suas instituições.


Crescimento de seleções nacionais e jogos internacionais desde 1971. De três seleções em 1971 para 141 seleções em 2010

 

Desde a criação desta lei em 1970, as coisas mudaram para o esporte feminino nos EUA e no mundo, coincidentemente ou não. Nos EUA, as meninas e mulheres têm mais oportunidades de exercer os seus talentos, serem tratadas melhor e com atenção, sem preconceito ou desprezo; são respeitadas como pessoas que têm o interesse e o talento de praticar o esporte. São, em primeiro lugar, cidadãs. Afinal de contas, as mulheres também pagam impostos.

No solo americano, há times de futebol feminino nos colégios de ensino médio, e em mais de 1200 universidades e faculdades em todo país. Também há um pequeno número de clubes espalhados pelo país inteiro tendo o seu próprio sustento, treinando e orientando atletas a ganharem bolsas de estudo em universidades, que formam a base da seleção nacional.

Os clubes da liga profissional americana contratam atletas da seleção nacional, mas cada um só pode ter no máximo duas atletas que atuam no momento pela seleção dos EUA; somente três de seleções estrangeiras, e preenchem o restante do seu elenco com atletas do mais alto nível das universidades. Dessa forma, nenhum time tem hegemonia, e não centraliza todas as melhores jogadoras em um time, sem enfraquecer os outros. Com isso, eles tentam equilibrar a balança para fazer o esporte e o clube crescer.

Mesmo podendo ter atletas de universidades, a liga americana zela em somente deixar fazer parte de times profissionais as atletas se já tiverem terminado o seu curso superior ou estão próximas a terminar. Eles respeitam e preservam o desenvolvimento do esporte e da atleta. Tudo ao seu tempo.

Essa liga ainda tem muitos desafios com a manutenção de times por causa da recessão mundial. Ela foi lançada justamente em momento crítico no mundo, mas ainda continua tentando manter a sua sustentação nesses tempos difíceis.

A seleção nacional americana dá apoio a seleções de base no feminino, com centro de treinamentos em diversas partes do país e planejamento estratégico durante alguns períodos do ano. Acima de tudo, paga mensalmente aproximadamente USD$ 4,200 (quatro mil e duzentos dólares) a cada jogadora na seleção principal. A maioria delas já terminou a universidade quando serve a seleção. Neste exato momento, a US Soccer lançou um planejamento de 20 anos em tornar o país um dos melhores do mundo também na sua condição técnica, antes sustentando a sua filosofia na condição tática e fisica, pois viu na derrota para o Japão o valor desse planejamento. Escreverei um artigo também sobre o planejamento nacional dos EUA lançado em 2012.

Além disso, impressa, televisão e outros instrumentos da mídia dão o apoio e visibilidade de forma muito natural, facilitando o investimento das empresas no esporte. Esse vídeo abaixo, é uma mensagem de final de ano da federação americana de futebol, mantendo a visibilidade da sua seleção, que apesar de apenas conquistar o vice-campeonato mundial em 2011, teve a sua imagem e apoio ainda mais valorizados.



Os EUA também lançaram um vídeo mostrando uma combinação da seleção masculina com a feminina, uma mensagem em conjunto. Está disponível também no Youtube.

Na Alemanha, há clubes de futebol feminino em clubes de “camisa” do masculino. Os clubes com futebol feminino recebem a verba repassada da Fifa pela federação e contam com patrocinadores. Essa ajuda dos parceiros para o feminino é em menor escala que o masculino, mas existe. A seleção feminina alemã também tem planejamento de treinamentos no calendário a curto e longo prazo, inclusive para as seleções de base com apoio da federação e governo.

Certa vez, durante um congresso de técnicos nos EUA (NSCAA – National Soccer Coaches Association of America), a ex-jogadora da seleção alemã, Steffi Jones, sentou em uma cadeira à minha frente, em uma reunião dos dirigentes e técnicos do Desenvolvimento Olímpico dos EUA (ODP – Olimpic Development Program).

Conversamos muito sobre como a Alemanha estava buscando melhorar o trabalho com o feminino, e ela me falou que estava ali para aprender e saber mais sobre como os EUA fazem para promover e desenvolver o futebol feminino melhor. Humildemente buscava ideias e informações para colocar em prática um plano estratégico para o futebol feminino do seu país.


Steffi Jones (à esquerda), ex-jogadora da Alemanha e que foi presidente do Comitê do Mundial em 2011

 

Hoje, na Alemanha, as atletas das seleções de base têm treinos mistos com equipes masculinas usando duas jogadoras por vez em cada treinamento, para melhorar a capacidade e potencial da equipe feminina, sem preconceito ou separação. Um trabalho de profissionais em conjunto, filosofia da federação alemã (DFB – Deutscher Fussball-Bund). Outra coisa interessante é que as seleções femininas de base têm alojamentos durante parte do ano em diversas partes do país, próximos dos centros de treinamento e com outros serviços para a atleta.

E os estudos? Esses centros de treinamento da federação alemã em conjunto com o governo possuem escolas locais e acompanhamento educacional da federação para as atletas não perderem o ano. Em 2011, eu visitei um desses centros, localizado no Estado de Saarland, Sul da Alemanha. Ao lado do centro de treinamento, tinha também uma faculdade de Educação Física. Perfeito!



Um dos centro de treinamento de futebol feminino da federação alemã. Campos, prédios educacionais, mapa das regiões de atuação da federação e calendário anual na sala da administradora do projeto, a ex-jogadora da seleção alemã, Margret Kratz (parte de baixo da foto, à minha esquerda).

 

A visibilidade do time principal da Alemanha também é grande, e eles foram mais além. Colocaram vídeos em rede nacional mostrando o apoio do futebol masculino a elas, de uma forma muito bem humorada. Veja abaixo:

Essa visibilidade e apoio da seleção masculina ajudam toda a nação, culturalmente, e em investimentos.

Sabemos que outros países têm os seus planejamentos e estão chegando melhor no ranking, e muitos outros têm muito menos que o Brasil. Mas o que mais importa é se estamos dando o apoio que devemos e o que se é necessário. Condições, nós temos.

Como solucionar a questão do Brasil ou melhorar aos poucos o planejamento para continuar a progredir? Seria obrigar os dirigentes a pagarem milhões a cada jogadora em times pelo país? Seria ter o mesmo que o masculino tem? Seria ter que dar total apoio e atenção ao futebol feminino no momento?

Claro, tudo isso seria bom, mas não é realístico pensar ou querer assim. Quando queremos direitos, não podemos esquecer de deveres. Vivemos numa sociedade moderna, de negócios, de investimento e de retorno. Times profissionais têm que produzir e “vender” uma marca, produtos, serviços. Temos que ter um esporte atraente em níveis técnicos e profissionais. Temos que ter uma imagem positiva e responsável.

Antes de pedirmos alguma coisa, temos que mostrar que somos sérias nos nossos objetivos. Interesse, habilidade e garra nós temos. Precisamos de estrutura, administração e investimento para exercer melhor as funções de alto nível e dar retorno. Somos e lidamos com cidadãos que são também consumidores. É uma responsabilidade mútua dos dirigentes e atletas.

Acho que a seleção e o futebol feminino no Brasil já mostrou muito isso e devemos aos poucos conquistar melhores condições para dar o retorno devido. O interesse é grande, o número de participação e de formadores de opinião continuam crescendo. Veja abaixo outro dado da Fifa em participação de mulheres no futebol feminino:



Gráfico de aumento de participação de atletas no futebol feminino no mundo. 29 milhões atualmente, um crescimento de 32% desde 2000

 

Com certeza, não se faz nada bem feito de uma hora para outra. Isso leva tempo para mais apoio, para alcançar metas e progredir continuamente. Uma vez que isso foi conquistado, não dá para esperar mais e “viver de promessas”, como falou a goleira Andrea em entrevista na volta do Mundial 2011. O futebol feminino do Santos e alguns outros times que já mostraram que têm objetivo, talento e conquistas, não podem ficar sem apoio e simplesmente acabar.

Aqui, estão algumas possíveis soluções e alternativas para o futebol feminino no Brasil:

Primeiro, a iniciativa tem que partir do governo em criar leis que conscientizem e incentivem os clubes de nome, ou de “camisa”, a ter um departamento de futebol feminino. Eles teriam que ter pelo menos uma ajuda de custo (alimentação, transporte, assistência médica e comissão técnica preparada profissionalmente, conhecedora da atleta feminina). Além disso, o governo deve promover mais isenção de impostos a entidades privadas para maior investimento e patrocínio.

Segundo, o governo deve trabalhar em conjunto com a CBF, para tratar a seleção feminina do país com cuidado e atenção especial, sempre. Esta, por sua vez, a CBF, planejando e executando melhor o calendário da seleção e dos clubes como faz com o masculino, repassando os investimentos da Fifa estrategicamente, tendo profissionais do mais alto nível nas suas comissões técnicas, e usando de um planejamento vertical entre a seleção principal e as de base no feminino, também.

Fiscalizar, cumprir e direcionar com profissionalismo a educação e o futuro da atleta que escolhe para representar o país. Neste outro documento da Fifa abaixo, estão os objetivos para suas federações associadas: MAs – Member Association(s), no nosso caso, CBF.

Objetivos da Fifa a serem cumpridos pelas federações nacionais.

O documento mostra os objetivos traçados pela Fifa para as entidades do esporte nacional aumentarem o seguinte:

- Número de meninas jogando futebol
- Número de clubes femininos com time principal e de base
- Número de ligas e campeonatos (regional, nacional, e por idade)
- Número de mulheres apitando jogos
- Número de técnicas mulheres no comando de equipes
- Número de mulheres em cargos de administração e comando na seleção nacional
- Número de mulheres na federação nacional no conselho de administração junto à presidência, também na comissão executiva, e em outros cargos de decisões administrativas 
- Número de mulheres em cargos de administração nas federações associadas a CBF (federações estaduais).

Como posso imaginar, você deve estar pensando: “isso a gente não vai ver acontecer nunca, porque temos um país machista”. E eu digo: “Nada é impossível, basta acreditar e trabalhar”.

Com certeza, órgãos do governo, como a recente criada coordenadoria do futebol feminino no Ministério dos Esportes, pode e deveria começar a reivindicar esse tipo de apoio junto à CBF. Com isso, incentivar as federações e dar oportunidades para mulheres atuarem como árbitras, técnicas, e preparadoras físicas, conferindo mais uma opção de trabalho e espaço àquelas que se interessem, principalmente as que tenham sido jogadoras, para no futuro passarem as suas experiências no esporte e servir de exemplo.

Esse problema não é só no futebol, não. É muito dificil ver mulheres no comando das seleções nacionais ou em cargos administrativos que tomam decisões que afetam as mulheres, em qualquer esporte no Brasil. A única exceção de que tenho conhecimento é da ex-jogadora Hortência, do basquete, que tem cargo administrativo na CBB (Confederação Brasileira de Basquete).

Essa falta de oportunidades para mulheres exercerem cargos junto às federações e clubes é bastante diferentes em outros países, como EUA, Canada, Alemanha, Suécia, Inglaterra e outros, que têm treinadoras, dirigentes e mulheres em cargos de comando no futebol feminino. Para que isso aconteça, tem que se dar oportunidade, treinamento e respeito à profissional.

Terceiro, incentivar por meios de verbas e concessão de bolsas de estudo para universidades aqueles que prestaram serviços ao país em seleções, como o Bolsa Atleta já implementado. Abaixo, um vídeo raro de incentivo ao futebol feminino, e mais raro ainda por ter um cunho educacional para o futuro profissional da estudante-atleta.

Quarto e último, mas talvez o mais importante, é que o governo possa promover uma conscientização por meio de propaganda e serviços nas áreas de esportes e recreação, em comunicação nacional, apoiando a prática de esportes para todos, e principalmente a mensagem de que o futebol não é sinônimo de esporte para homens. Muitas mulheres vão aos estádios assistir jogos. Por que elas podem pagar e assistir a jogos, mas não há oportunidade suficiente e apoio para jogar e no futuro atuar como profissional?

Um país do presente e do futuro se faz com apoio mútuo e respeito ao ser humano, e ao cidadão. Isso é parte de uma condição de cidadania e reconhecimento que sem o apoio das mulheres e o apoio dos homens para com elas, um país não continua a progredir.

O que precisamos fazer não é tão difícil assim. Veja a seguir mais um gráfico simples da Fifa mostrando onde devemos investir sempre, tendo um grande objetivo de participação, estabelecendo programas de base.

“What you can do” (O que você pode fazer): o que nós e administradores podemos fazer pelo futebol feminino é estabelecer projetos de base para crianças, criar ligas e campeonatos, para poder aumentar patrocínios


Em resumo, enquanto muitos governos já se conscientizaram que países fortes e de potencial só se fazem com respeito a cidadania para todos – homens, mulheres, crianças e idosos –, eu acredito que o Brasil está aos poucos neste caminho, fortemente, e pode alcançar essa conscientização rapidamente, tendo em vista que já elegemos uma mulher como presidente.

Marta, em entrevista antes da festa da Bola de Ouro 2011 da Fifa cobrou mais envolvimento do governo brasileiro, da CBF, e das televisões e da mídia. “O interesse tem que partir de todos, da imprensa, porque sem ela não há interesse de patrocínios, das televisões, do governo, da confederação. Então, são muitas pessoas envolvidas que podem fazer algo para estruturar melhor o futebol feminino no Brasil”, desabafou a atleta brasileira, cinco vezes a melhor do mundo.

É com certeza um conjunto de coisas, que simplesmente se traduzem em melhorar a cultura e a política inserida nelas.


A Presidente Dilma recebe a visita da jogadora Marta em 2011

Neste momento, tomo a iniciativa de colocar em prática um sonho antigo de poder ajudar um pouco mais o futebol feminino do Brasil.

Lançarei em fevereiro um site com um projeto que une talento com educação, através do futebol do Brasil, para vir jogar nos EUA, uma potência mundial também nesta área.

Com isso, vou procurar encaminhar jogadoras para vir jogar aqui em qualquer universidade que ela possa ser admitida a atuar esportivamente e estudar, com bolsa, dando oportunidade de um futuro melhor com formação universitária. Esse é meu compromisso e minha missão de tentar dar um pouco mais apoio ao futebol feminino do Brasil.

Neste projeto, cada jogadora estará elegível para essa oportunidade somente quando terminar o ensino médio, apesar de que as preparações devem começar muito antes. Com isso, quero incentivar mais meninas a jogarem futebol no Brasil e serem criados projetos de base, levando a sério os estudos até o termino do ensino médio.

Também, isso pode conscientizar os pais a verem que futebol feminino "dá futuro", e não é um esporte somente para homens, não. Um futuro que pode valer mais que milhões de dólares e euros, direcionar vidas, ajudar famílias, realizar sonhos esportivos e profissionais.

Eu acredito que, com isso, eu possa ajudar também o futebol feminino do Brasil neste momento, e aos poucos tentar conscientizar que existe um grande valor no esporte e para a educação. Sabemos que desse mundo não se leva nada, e se pode deixá-lo um pouco melhor do que encontramos.

Fique à vontade para se comunicar comigo e obter mais informações e tecer comentários: marcia.oliveira@me.com.

E não esqueça: a partir de fevereiro 2012, acesse o site www.coacholiveira.com para mais uma opção de investimento no seu futuro, ou para outras jogadoras de futebol.

O futebol feminino do Brasil já dá certo e dá retorno!

*Bachelado em Psicologia e Educação Física – University of Mary Hardin-Baylor, 1995; Mestrado em Educação Fisica & Pedagogia – University of Northern Colorado, 1998; Doutorando em Educação – Sam Houston State University, 2012 

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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Fabiana Albino, coordenadora pedagógica do futebol feminino do Vasco da Gama

Mestre em Ciência da Motricidade Humana fala sobre a retomada do departamento no clube cruzmaltino
Bruno Camarão

“O futebol feminino no Vasco da Gama, mais do que uma modalidade no clube, ou um braço do futebol masculino, é um ideal”. É dessa maneira que Fabiana Albino se reporta à modalidade cuja condição no país ainda é de amadorismo. Muito por conta das diversas falhas de ordem administrativa, política e até histórica.

Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Psicopedagoga, Consultora em Educação e Educação Física e Docente da Universidade Moacyr Sreder Bastos, ela criou o cargo de coordenadora pedagógica na estrutura do departamento de futebol feminino cruzmaltino. Além de reviver momentos fantásticos das décadas de 80 e 90, quando o clube contou até com a lenda Marta em sua equipe principal, a intenção da acadêmica é ampliar a discussão sobre as temáticas envolvendo as mulheres e o próprio desenvolvimento a partir do profissionalismo.

“Existe uma engrenagem em qualquer processo esportivo de ida e volta de capital – como em qualquer organização pautada no capitalismo. Nós não geramos qualquer tipo de lucro para o clube. Por isso que o aporte é muito pequeno”, explica Fabiana.

Ela revela que possui apenas uma pequena verba para federar atletas, comprar uniformes, local para treinamento, uma ajuda de custo com passagens e alimentação, mas não há uma remuneração mensal. Para superar essa realidade e enfrentar, inclusive, os gargalos da legislação referentes ao futebol feminino – especialmente os ligados a direitos econômicos –, a meta é educar desde cedo.

“A ideia da coordenação pedagógica no departamento é justamente um aporte educacional junto ao futebol feminino. O mais importante é a base – algo que não compõe a reflexão no ambiente do futebol masculino, muitas vezes. Queremos um departamento de formação de atletas de excelência, e nosso projeto é amparado nas bases educacionais desse processo”, propõe Fabiana.

Ao lado de Tadeu Correia, diretor da Divisão, e outros oito profissionais, a especialista acredita que não se possa ter uma equipe adulta sem haver um programa de base efetivo. Tal programa piloto, em que a prática esportiva surge como uma ferramenta para a vertente sócio-educativa, busca parcerias e cobra respeito e mudanças na CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

“Pedimos seriedade por parte da CBF, atenção. Ela não quer nem mapear quantas atletas estão em ação no Brasil... Como um possível parceiro vai se interessar em vincular a marca dele a um clube que não sabe quando, onde e com quem irá jogar?”, questiona.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, Fabiana explica ainda a razão pela qual o Vasco vetou peneiras para o processo de seleção de novas atletas, como atua o grupo de estudos criado para pensar treinamento para mulheres e como a esgrima melhora a noção espacial em campo.


Universidade do Futebol – Você é coordenadora pedagógica da Divisão de Futebol Feminino do Vasco da Gama. Como se encontra estruturado o departamento?

Fabiana Albino – O futebol feminino no Vasco da Gama é um resgate a um antigo futebol feminino do clube entre as décadas de 80 e 90, período em que a Marta foi revelada, inclusive. Além dela, contávamos com a Pretinha, que hoje atua na Coreia, a Fanta, que encerrou sua carreira, e algumas outras atletas renomadas que compunham nosso time.

Por volta de 1996, 1997, o futebol feminino foi extinto no Vasco, assim como ocorreu no Rio de Janeiro. Foi um tempo de “dormência”. Em 2009, apenas, por intermédio do Tadeu Correia, nosso diretor, que a modalidade foi retomada.

Reiniciamos praticamente do zero. Hoje temos todas as categorias a partir do sub-13. São aproximadamente 200 atletas ao todo.

O futebol feminino no Vasco da Gama, mais do que uma modalidade no clube, ou um braço do futebol masculino, é um ideal. A condição dele no país é de amadorismo. As nossas atletas não têm preço de mercado. A Marta, por exemplo, não tem “passe”.

Nosso projeto também passa por profissionalizar o futebol feminino no Brasil. E para isso temos promovidos alguns encontros, montamos um documento e efetuamos contatos políticos para dar início a esse anseio.

Um clube, por si só, não fará isso. Levantamos essa bandeira e pretendemos dar sequência agora.


Mais uma vez na disputa do prêmio de melhor jogadora do mundo pela Fifa, Marta teve passagem pelo Vasco da Gama

 

Universidade do Futebol – O projeto possui um aporte – financeiro e de infraestrutura – constante? Como se dá a relação com a atual diretoria do clube cruzmaltino?

Fabiana Albino – Nós temos o apoio total: político, solidário e de possível infraestrutura. Financeiro, é o mínimo possível.

Existe uma engrenagem em qualquer processo esportivo de ida e volta de capital – como em qualquer organização pautada no capitalismo. Nós não geramos qualquer tipo de lucro para o clube. Por isso que o aporte é muito pequeno.

Temos uma pequena verba para federar atletas, comprar uniformes, local para treinamento, uma ajuda de custo (passagens e alimentação), temos uma escola que funciona dentro do clube, mas não há uma remuneração mensal. Justamente porque não conseguimos gerar ainda qualquer tipo de receita para o clube.

Universidade do Futebol – Em linhas gerais, qual é sua formação, bem como seu papel nesse processo?

Fabiana Albino – Minha graduação é em Educação Física e fiz uma especialização em psicopedagogia e um mestrado em Ciências da Motricidade Humana e em Ciências do Desporto. Estou em uma intersecção entre a área esportiva e a educacional-pedagógica.

Também sou professora acadêmica e trabalho com aprendizagem motora e aprendizagem esportiva na universidade. Minhas pesquisas são voltadas para essa área.

A ideia da coordenação pedagógica no departamento é justamente um aporte educacional junto ao futebol feminino. O mais importante é a base – algo que não compõe a reflexão no ambiente do futebol masculino, muitas vezes. Queremos um departamento de formação de atletas de excelência, e nosso projeto é amparado nas bases educacionais desse processo.

Não acreditamos que se possa ter uma equipe adulta sem que tenhamos um programa de base efetivo. Essa é minha função e a coordenação pedagógica foi um cargo criado aqui no Vasco, propositadamente, para integrar o processo com a outra ponta, a coordenação técnica.

Trata-se de um programa piloto: montar o pilar educacional é a nossa prioridade. A prática esportiva, então, surge como uma ferramenta para a vertente sócio-educativa. É praticamente uma tese. E nosso diretor está terminando o doutorado dele que aborda justamente a questão do talento no esporte e a gestão das categorias de base.

Universidade do Futebol – Como se dá a relação entre todas essas áreas – pedagógica e técnica – no Vasco da Gama? Quantos profissionais estão envolvidos?

Fabiana Albino – Apenas 10 pessoas, por conta da falta de uma verba que deveria ser compatível com a nossa necessidade. Essa é a realidade. Temos muita afinidade e trabalhamos juntos.

A linha limítrofe entre as duas áreas se funde. Não temos muito essa segregação. Até mais é a minha área que atinge o âmbito técnico. Um coordenador técnico é muito do campo. E a parte administrativa também acaba ficando ao meu cargo – apesar de eu também estar sempre presente nas atividades práticas.


Um dos grandes mentores na retomada do futebol feminino do Vasco, Tadeu Correia conta com o apoio de Fabiana Albino

 

Universidade do Futebol – Recentemente, você esteve à frente do II Encontro de Futebol Feminino do Rio de Janeiro. Dentre alguns pontos abordados, foi projetado um relatório que será encaminhado ao Ministério dos Esportes, federações e CBF. Quais são as principais reivindicações e o que se espera em termos de retorno?

Fabiana Albino – Na verdade, esse relatório foi encaminhado para uma comissão política que está envolvida com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ainda haverá um contato direto com o Ministério dos Esportes – provavelmente em janeiro.

A profissionalização do futebol feminino foi o tema central do encontro. No próprio Footecon 2011, houve um debate em uma das mesas sobre os problemas do futebol de base no Brasil. Isso é muito mais sério no futebol feminino.

Hoje, uma atleta, por ser considerada amadora, por todos os “contras” da Lei Pelé, pode sair a qualquer momento de um clube e migrar para outro. Isso é um problema. Temos garotas nas quais investimos há anos, contamos com as mesmas para muitos campeonatos, e no fim da temporada acaba deixando nosso clube para atuar em outro, em outro Estado, para alguma disputa específica.

Além de uma brecha na legislação esportiva, também se trata de uma falta de amparo das próprias federações estaduais. Esses órgãos poderiam ter uma forma burocrática de documentação. Não há esse diálogo.

Uma sugestão para solucionar essa questão seria cada uma das federações criar uma representação de futebol feminino dentro de sua estrutura. Assim como há na CBF – que existe, apesar de não funcionar como deveria.

Não existe um calendário anual de futebol feminino. O que emperra uma série de avanços com patrocinadores e outros parceiros comerciais. É muito difícil se conseguir, inclusive, informações referentes a número de atletas em ação, clubes, competições, etc.

Em São Paulo, no próprio Museu do Futebol, as referências sobre o futebol feminino são muito poucas. Há uma ou outra foto ilustrando a história da Marta. E nada mais. Se eu tivesse que fazer uma tese sobre o futebol feminino, aquele espaço não seria ideal para pesquisas do tema, por exemplo. Trata-se de uma lacuna histórica.


Fabiana Albino coordenou em 2011 dois encontros sobre o futebol feminino no Rio: alvo é lutar pela profissionalização a partir de apoio governamental

 

Universidade do Futebol – Ainda no evento, foi questionada também a forma de convocação de atletas para a seleção brasileira feminina principal. Que tipo de críticas você poderia destacar e o que essa “falha” representa em curto, médio e longo prazo à modalidade, de modo geral?

Fabiana Albino – Temos duas situações: a forma como funciona esse departamento na CBF e como é realizada a convocação. Percebemos que não há um acompanhamento da equipe que convoca – os “observadores”. Não existe, também, uma convocação oficial – falta comunicação com os clubes e geralmente alguém da CBF procura diretamente a atleta selecionada.

Durante a reta final da Copa do Brasil Feminina neste ano, aconteceu o Pan-Americano em Guadalajara, no México. Tivemos algumas atletas convocadas, o que ocasiona não um prejuízo – muito pelo contrario, até porque já não tínhamos chances – mas um “furo” no ritmo do elenco, em termos de treinamento, desgaste, modificações, etc. Justamente porque a CBF não senta com os clubes e define um padrão estratégico para isso.

Outro ponto é ter uma comissão técnica vinculada a um clube. Cito o exemplo do Kleiton Lima, que era treinador da equipe principal da seleção brasileira de futebol feminino e, simultaneamente, comandava uma equipe no Nordeste. Isso compromete a convocação. Em termos éticos.

Como alguém pode conseguir garantir uma convocação de qualidade se está envolvido com o funcionamento específico de seu clube? Mas o foco de responsabilidade é a CBF, e não o treinador em questão, por si só.

Universidade do Futebol – E como você viu essa mudança na seleção brasileira: saiu o Kleiton Lima, retornou o Jorge Barcellos?

Fabiana Albino – Eu estou muito otimista. Acho que a passagem dele [Jorge] foi positiva, com todos os problemas – e acredito que havia mais do que agora – e confio que será bem melhor.

Embora devamos, em uma análise do futebol feminino do Brasil, nos lembrar sempre do René Simões, que foi o responsável por colocar a modalidade no cenário esportivo. Ele, mais do que um técnico, foi um gestor. E infelizmente a CBF não soube aproveitar, não teve a sensibilidade, para não dizer inteligência, de usufruir de todos aqueles benefícios.

O Jorge Barcellos vem após René, com uma escola que tem uma mesma base, mas tenho o receio por essas escolhas – há uma nebulosidade política, mas isso é incontrolável aos pobres mortais fora da CBF. Mas estou otimista e acredito que ele está muito à frente em termos de experiência, coragem e ética do Kleiton Lima, em minha opinião.


Barcellos (abaixo) e René: o primeiro seguiu a escola do segundo, e está de volta à seleção brasileira principal

 

Universidade do Futebol – No Brasil, são poucas as linhas de pesquisa científica para identificação de talentos esportivos no próprio futebol masculino. De que maneira o Vasco, onde você atua, trabalha em seu departamento de formação a detecção de jovens com potencial para se tornarem atletas profissionais?

Fabiana Albino – No Vasco, o processo no futebol feminino é bem diferente do masculino. A primeira questão se refere às “peneiras”. Não realizamos, com as mulheres, esse tipo de teste. A menina que quiser ingressar às nossas equipes passa pela “academia de futebol”. Lá, ela irá participar no mínimo durante 30 dias, três vezes por semana, com um grupo de meninas que está trabalhando para entrar nas equipes.

São jogos no campo oficial, em campos sintéticos reduzidos, para avaliar determinadas características técnicas específicas, além de algumas testagens voltadas às questões físico-fisiológicas: velocidade, agilidade, velocidade de reação, força, coordenação, etc.

Serão no mínimo 12 momentos de jogo, para apresentação de habilidades, qualidades, entrosamento com determinado grupo de atletas, etc. Algo bem diferente do processo realizado com os homens aqui no Vasco.

Universidade do Futebol – Em se considerando os aspectos anatômico-fisiológicos característicos da mulher em comparação ao homem (menor estatura média, maturação mais rápida do esqueleto, ossatura mais fina, maior percentual de gordura corporal, diferenças do metabolismo, menor massa muscular, etc.), quais padrões de planejamento técnico, tático, físico e psicológico devem ser traçados para respeitar essas peculiaridades?

Fabiana Albino – Esse é um ponto muito difícil de conduzir. E é um dos motivos pelos quais temos no departamento um grupo de estudos que funciona com as pessoas que trabalham com futebol feminino. Devemos ter a partir de fevereiro os primeiros artigos publicados no Brasil sobre treinamento de futebol para jovens futebolistas.

Uma das ações que temos feito ligadas à detecção de talentos é a interdisciplinaridade com outras modalidades olímpicas. Um exemplo: todas as meninas da academia, tanto as que são aproveitadas, quanto as que não atuam nas equipes, fazem aulas de esgrima.

A mama, que pesa e altera o seu centro de gravidade, dificulta a manutenção da postura, da visão de jogo e do tempo de bola. E a esgrima cria uma noção mais precisa, de equilíbrio, que acaba se refletindo em campo e elas não têm de olhar o tempo inteiro para a bola, projetando o olhar vertical.

Outro exemplo: a alteração hormonal é uma marca muito forte entre os gêneros. Em especial o porcentual de gordura. E da gordura localizada. O quadril, os seios, a mama e o glúteo são possíveis depósitos de gordura que, juntamente com a composição hormonal, irão refletir no desempenho. A espacialidade da mulher no campo de jogo, então, será diferente.

A maior parte do número de quedas no futebol feminino é para frente. Temos um estudo encaminhado para isso. O treinamento é voltado para o controle de percentual de gordura, agilidade, peso, levando sempre em consideração essa estrutura física dos depósitos de gordura para não forçarmos as articulações.

Temos também um trabalho de esportes com membros superiores, para trabalhar a relação da atleta com o espaço – mas isso não é específico por causa do gênero. De 90 minutos que se joga, mais de 80% do tempo a atleta não estará com a bola. E nesse período ela deve saber tudo que irá fazer com o corpo, inclusive os membros superiores, a fim de melhorar a parte biomecânica e da psicomotricidade.


"Queremos um departamento de formação de atletas de excelência, e nosso projeto é amparado nas bases educacionais desse processo", revela Fabiana

 

Universidade do Futebol – É possível se falar em uma “escola brasileira de futebol feminino”, ou esse modelo específico de jogo nacional entre as mulheres está retomando seus passos iniciais?

Fabiana Albino – Não. Acho que estamos muito longe de ter uma escola de futebol masculino, inclusive. Não sabemos como aproveitar nossos talentos, em âmbito geral. No caso do futebol feminino, estamos fazendo contato com a Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, para estabelecer alguma parceria de ordem acadêmica. A partir daí, esperamos, que a “escola brasileira de futebol feminino” possa começar a ser construída.

Para mim, a única equipe muito diferente no mundo é a japonesa, que venceu o Mundial. Não consigo detectar diferenças técnicas entre atletas brasileiras provenientes de diferentes localidades, por exemplo: a carioca, a paulista, a mineira, a baiana, etc, jogam de modo muito parecido.

Universidade do Futebol – O futebol feminino ainda encontra dificuldades para expandir-se e atingir a grande mídia. Como evoluir diante desse cenário?

Fabiana Albino – Entramos aí na linha histórica em termos de gênero da mulher no país em que vivemos. O Brasil é o país do futebol. Do futebol masculino. Não tenho dúvidas disso. Não é o país do esporte. É o país do esporte masculino.

O voleibol feminino, por exemplo, tem um passado de desprestígio, de falta de atenção, tão grande quanto o futebol feminino. E há muito pouco que começou a ganhar espaço na mídia, a partir da organização de ligas, de um status político e hoje as meninas estão em ascensão. No nosso caso não será diferente. Vai ser muito difícil, também.

Não gosto desse papo de gênero ligado ao feminismo. Para eu explicar isso, não vejo outro caminho que não seja este. Especialmente porque o futebol feminino começou muito mal, como amador.

Dentro do Vasco, quando o nosso departamento foi retomado, o conselho se reuniu com o presidente para saber se estaríamos vinculados ao futebol masculino ou a outra modalidade. O Fluminense, neste ano, encerrou suas atividades também por conta disso. Os dirigentes não sabem o que fazer com o futebol feminino, e na esteira disso, os patrocinadores não se entusiasmam.

Acredito que até poderia haver mais boa vontade, mas a realidade é que as empresas e parceiros não sabem como atingir esse alcance ao lado de nossa categoria. E se tiver que apontar um culpado, sinalizaria a CBF.

Nos estatutos de clubes esportivos, há indicação para um determinado número de modalidades olímpicas. As equipes ligadas às mulheres deveriam ser vistas como obrigatoriedade.

Há uma lacuna deixada pela CBF. Deveria partir da entidade máxima uma ação planejada. Mas é muito difícil. Quando sentamos com eles para conversar sobre um calendário, por exemplo, para muitos soa como se quiséssemos algum “favor” ou um “ganho”. Queremos apenas o desenvolvimento do futebol feminino. É uma entidade micropolítica, quase uma máfia, que detém um poder de boa parte da economia do Brasil.

Pedimos seriedade por parte da CBF, atenção. Ela não quer nem mapear quantas atletas estão em ação no Brasil... Como um possível parceiro vai se interessar em vincular a marca dele a um clube que não sabe quando, onde e com quem irá jogar?

Se eu tivesse que identificar o grande problema em relação à mídia: falta de apoio e descaso da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).


Questão histórica também é um dos impeditivos para o crescimento do futebol feminino no Brasil

 

Universidade do Futebol – Você citou o valor do futebol japonês, em especial na última Copa do Mundo de futebol feminino. Há alguns cases de sucesso, como nos Estados Unidos, bem como estruturas consolidadas no Canadá, na Alemanha e na Suécia. Existe algum tipo de intercâmbio entre você e profissionais estrangeiros para auxiliar nesse desenvolvimento da modalidade?

Fabiana Albino – No ano passado, a presidente do Comitê Internacional do Mundial da Alemanha, a Steffi Jones, nos fez uma visita, foi até o clube, mas ela tem toda uma realidade européia sobre o futebol feminino.

Nunca tive contato com o Japão, até um pouco por conta da característica asiática [serem mais fechados]. Nos Estados Unidos, há uma equipe regional que sempre visita o Vasco para a realização de uma espécie de clínica entre atletas e profissionais da área técnica – um encontro amparado pelo consulado norte-americano.

Não acredito ser fácil esse intercâmbio, em virtude da nossa organização esportiva falha. E estendo isso a todos os esportes.

Nos EUA e em todos os países da Europa, há geralmente uma grande organização esportiva, e aquelas regionais, vinculadas a esta grande entidade. Os braços, federações e confederações, fazem o que querem e o que não querem, sem qualquer tipo de integração com o ministério governamental.

Hoje a CBF é totalmente independente do Ministério dos Esportes. E as federações estaduais, idem.

O Bolsa-Atleta, um grandioso projeto nacional, é muito ruim. Muito dinheiro perdido, e poucos atletas sendo efetivamente beneficiados. É o retrato da nossa organização política.

O que o Ministério dos Esportes faz hoje no Brasil? Apenas realiza trabalho de distribuição de verbas. Quem cuida do avanço técnico das diversas modalidades? Há uma representação que tem um ministro a cada hora, e pouco conhecimento técnico-científico.


Visão europeia de Steffi Jones em visita ao Vasco e clínicas com norte-americanos: processo de intercâmbio não é tão fácil quanto parece

 

Universidade do Futebol – Em um relato pessoal publicado em nosso site, Cristina Fonseca, uma ex-jogadora profissional e atual mestranda em Psicologia do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, disse: “de alguma forma o futebol me conectava à liberdade e à criatividade, à ação e ao movimento, ao inesperado e ao possível, e tudo isso desencadeava uma certa numinosidade que no final se traduzia em vida”. Qual é a representatividade desta modalidade para você?

Fabiana Albino – O que ela falou é como eu vejo a expressão de motricidade entre as meninas que jogam: o fato de se ter liberdade, se sentir viva. Para sobreviver no planeta em que sobrevivemos, temos uma natureza motora. Você sobreviveria se você não falasse, não ouvisse, não tivesse estudado, etc., mas não sobreviveria se não tivesse movimento. O planeta é cinético. A partir disso, fomos ao longo da evolução humana melhorando essas combinações de movimento.

O esporte é um refinamento do que podemos fazer com esse movimento. E o futebol, especificamente, por ser um esporte coletivo, te traz essa responsabilidade unitária e ao mesmo tempo conjunta; o fato de ter um objetivo a partir de um implemento, que é a bola, pelos pés, como se aquele implemento fosse parte do seu corpo e ele ser colocado em evidência; e por ter no Brasil o futebol feminino um espaço tão reduzido, uma menina que consegue se “profissionalizar”, é algo muito relevante.

A nossa cultura é baseada no futebol, e a mulher consegue criar esse espaço. É a expressão desta motricidade: meu corpo se movimenta dentro de um ambiente sócio-cultural.

Tem uma história, também, de menina que foi convocada para a seleção sub-17. Ao contrário da maioria, ela é de uma família que tem um poder aquisitivo muito bom. O pai dela é almirante da Marinha. E a garota, chamada Ana Clara, iria ser colocada aos sete anos de idade no Balé. Quando mãe e filha foram a uma loja de materiais esportivos comprar uma sapatilha, a criança se encantou por uma chuteira, fez o pedido e revelou que queria jogar futebol.


Sub-15, sub-17, sub-20 e equipe principal: Vasco quer retomar crescimento de baixo para cima, a partir de um conceito pedagógico consolidado

 

Universidade do Futebol – De que maneira o Vasco pode atuar na “humanização” do futebol feminino, aumentando ainda mais a relação com cada atleta e integrando a família ao trabalho do clube?

Fabiana Albino – A gente faz algo muito pequeno ainda. Temos uma comissão de pais com quem agendamos reuniões periódicas a partir do departamento de futebol feminino. Não acreditamos na “masculinização” proporcionada por esse esporte – como é falado por muitas pessoas, que ficam presas a essa visão cultural.

Em todos os segmentos temos homossexuais e não é algo diretamente relacionado e típico do nosso ambiente.

Alguns pais, também, mantêm contato com torcidas organizadas em determinados campeonatos, por exemplo, em um processo de tentativa de conscientização do público. Levamos também psicólogas para conversar sobre esse tipo de temática. Mas é muito pouco e temos de avançar.

Uma das metas para 2012 é marcar palestras nas escolas públicas em torno do clube, que irá envolver não apenas alunos, como todas as pessoas da comunidade. Queremos captar mais pessoas para esse contexto. A estratégia da humanização passa por aí.


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