Espelhar-se no futebol masculino pode constituir-se em uma faca de dois gumes para o futebol feminino: é preciso saber quando se aproximar e quando se afastar deste modelo
Osmar Moreira de Souza Júnior*
Na França a televisão passará transmitir o campeonato feminino
Uma reivindicação recorrente de muitas(os) daquelas(es) que estão dentro ou no entorno do futebol feminino, diz respeito à necessidade de equiparação ou no mínimo aproximação em relação às condições e estrutura desfrutadas pelo futebol masculino. Embora concorde que não podemos perder de vista este olhar para avaliarmos uma série de aspectos – principalmente no que diz respeito à responsabilização da CBF – penso que não podemos construir os alicerces para uma estruturação da modalidade, pautando-nos na estrutura consolidada e extremamente espetacularizada da elite do futebol masculino no país.
Seria muita utopia imaginarmos que uma estrutura amadora de administração poderia ser profissionalizada de uma hora para outra. Contudo, talvez possamos encontrar um “caminho do meio” entre o profissionalismo e o amadorismo torpe que tem sido corrente no futebol feminino brasileiro, que possa representar avanços para a modalidade ao menos no momento atual, pavimentando o caminho rumo à profissionalização.
Este caminho do meio, poderia servir-se da água da fonte de outras modalidades esportivas que também não conseguiram atingir o patamar da profissionalização, mas conseguem sustentar um sistema de funcionamento que se para seus adeptos pode parecer distante do ideal, me parece que para o estágio atual do futebol feminino representaria um significativo avanço.
Refiro-me aos esportes coletivos de quadra, mais especificamente ao basquete, handebol, futsal e vôlei. Todas estas modalidades possuem um calendário anual que comporta – ao menos de maneira razoável – as competições internacionais para suas seleções, em compasso com os eventos estaduais e ao menos uma competição nacional de maior expressão, chamadas de Ligas Nacionais e até de Superligas no caso do voleibol, que certamente está vários passos à frente das demais modalidades.
As Ligas caracterizam-se por competições com poucas equipes de alto nível na modalidade, muitas vezes concentrando-se em centros nos quais estas modalidades possuem um desenvolvimento maior. Nestas poucas equipes concentram-se as maiores estrelas das respectivas modalidades – salvo os casos em que a modalidade perde estas estrelas para o “mercado internacional”, como no caso de jogadoras do handebol que atuam na Europa – que conferem o brilho à competição que ajuda a fechar a conta entre espectadores, mídia e patrocinadores, não necessariamente nesta ordem.
Como já adiantei, o voleibol estaria em outro patamar em relação às demais modalidades, pois consegue com uma estrutura muito mais profissionalizada e espetacularizada atrair os grandes ídolos nacionais e até internacionais, fato que não se repete no handebol e no basquetebol, por exemplo. Apresento a seguir alguns dados sobre as Ligas das referidas modalidades para que possamos continuar com as reflexões até aqui explanadas.
A Liga Nacional de Basquete Feminino (LBF) 2010/2011, organizada pela Confederação Brasileira de Basketball (CBB) contou com nove equipes, sendo sete do Estado de São Paulo (Americana, Araçatuba, Catanduva, Ourinhos, Santo André, São Caetano do Sul, São José dos Campos), uma de Santa Catarina e uma do Maranhão. A competição foi realizada entre 13/11 e 27/02/2011.
A Liga Nacional Feminina de Handebol 2011 foi organizada pela CBHb e contou com a participação de sete equipes, sendo três de Santa Catarina, duas de São Paulo e duas do Rio Grande do Sul. O torneio foi realizado entre 12/05 e 10/10/2011.
A Liga Futsal Feminina 2011, organizada pela Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS) contou com 12 equipes, sendo cinco do Estado de São Paulo, cinco de Santa Catarina, uma do Rio Grande do Sul e uma do Ceará; a primeira fase foi toda realizada em duas sedes em Santa Catarina (cinco rodadas com jogos todos os dias seguidos) e a partir das oitavas de final os jogos foram realizados nas cidades sedes das equipes classificadas. O torneio estendeu-se de 19/04 a 30/06/2011.
A Superliga de Vôlei Feminino 2011/2012 é organizada pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), contando com a participação de 12 equipes, sendo seis de São Paulo, três de Minas Gerais, duas do Rio de Janeiro e uma de Santa Catarina. A Liga teve início em 09/12/2011 e deve durar quase quatro meses. Jogos a cada três dias, com cobertura do SporTV de um a dois jogos por rodada, além de eventualmente ter a cobertura do canal Esporte Interativo e da Rede Globo e final em jogo único transmitida pela Rede Globo. As equipes participantes contam com patrocinadores, como: Banco BMG; Reunidas/Alameda; Sollys/Nestlé; Unilever; Sky; Banana Boat; Cia. do Terno; Sesi. Clubes como o Minas Tênis e o Esporte Clube Pinheiros também apoiam o voleibol, mantendo suas equipes na Superliga.
Como é possível observar, todas as Ligas analisadas são organizadas por suas respectivas confederações. É neste sentido que caberia responsabilizar a CBF, que atualmente limita-se a coordenar a seleção brasileira de futebol feminino e a organizar a Copa do Brasil, torneio no sistema de eliminatória simples, que pouco acrescenta ao calendário futebolístico feminino, além de vagas na Copa Libertadores da América, torneio que ainda não decolou da maneira como se esperava.
Aliás, um calendário para o futebol feminino nacional seria um bom começo. Estabelecer um período para os estaduais, compromissos regulares para a seleção – mesmo em anos em que não haja Mundial, Jogos Olímpicos e Jogos Pan Americanos –, Copa do Brasil e um “Brasileirão”, que poderia sim seguir algumas das ideias colocadas em prática pelas demais confederações, buscando uma fórmula que fosse mais atrativa para clubes, atletas, torcedores, patrocinadores e meios de comunicação.
Penso que a transição entre o final de um ano e início do outro poderia ser propício para este evento. Este é um período em que o torcedor fica ávido por jogos de futebol, bem como os meios de comunicação ficam à caça de assunto, apelando para a cobertura de qualquer “pelada beneficente” entre craques em férias e ídolos do passado, além da incansável falação em torno das especulações do mercado da bola.
Estaria aí uma interessante janela para que uma boa campanha de marketing ajudasse a alçar o futebol feminino como um “produto” interessante para o mercado da bola e alavancar as bases para um projeto de profissionalização da modalidade.
Na transição entre as temporadas 2011 e 2012, por exemplo, o Brasileirão encerrou-se em 04/12/2011 e os principais estaduais iniciaram-se em 21/01/2012. Acredito que uma Liga Nacional de Futebol Feminino iniciando-se em novembro, alavancada com alguns jogos preliminares do Brasileirão (estratégia polêmica que mereceria maiores discussões e amadurecimento) e encerrando-se em fevereiro ou março, quando os estaduais e a Copa Libertadores ainda estão esquentando, poderia trazer muitos benefícios para o futebol feminino brasileiro.
Ainda mais se esta Liga conseguisse atrair atletas como Marta, Érika, Cristiane, Andréia Suntaque, Aline Pellegrino, Formiga, Ester, Maurine, Tânia Maranhão, Bagé, Fabi e outras, mas enfrentando-se em equipes diferentes, o que iria conferir uma alta competitividade e nível técnico ao evento.
*Osmar Moreira de Souza Júnior é docente do DEFMH-UFSCar, doutorando da FEF-Unicamp e vice-líder do GEF-Unicamp