terça-feira, 26 de julho de 2011

Futebol Feminino: a próxima grande oportunidade

Por MARIA TEREZA PÚBLIO DIAS*

“Se a gente ganhasse o Mundial, teria investimento? Não sei, acho que não. A gente já fez o que fez, e não muda nada”.

Essa foi a mensagem da atacante Cristiane, assim que as Canarinhas voltaram da Alemanha, depois de perder para os Estados Unidos nas quartas de final do Mundial Feminino.

Desde que a Copa do Mundo feminina começou a ser disputada, em 1991 o Brasil esteve presente em todas as competições.

Em 1999 ficou em 3º lugar e em 2007 perdeu a final para a Alemanha.

Temos a melhor jogadora do mundo, Marta! Cinco vezes eleita pela FIFA (consecutivas), fez quatro gols na Alemanha e se igualou à atacante alemã Birgit Prinz em números de gols marcados em Copas do Mundo (14).

Mas “só” isso parece não adiantar para que o futebol feminino brasileiro tenha mais apoio.

O bom futebol e a falta de experiência que nossas atletas mostraram são resultados do talento nato das meninas e da falta de preparação para competições importantes como a Copa do Mundo e Olímpiadas.

Antes de ir para a Alemanha, o Brasil fez apenas um amistoso contra o Chile, time que hoje está em 44º  no ranking da FIFA e não participou da Copa do Mundo.

Enquanto os Estados Unidos (1º lugar no ranking da FIFA) fizeram diversos amistosos, sendo um deles contra o Japão, time com quem jogaria a final da Copa, dia 17 de Julho. Os Estados Unidos acabaram perdendo para o Japão, que durante toda a Copa mostrou que além de garra, contou com uma nação inteira apoiando suas atletas durante toda a competição.

Os problemas da seleção brasileira começam mais embaixo.

Em 1999 os Estados Unidos trouxeram para casa a taça de campeãs.

Desde então, o país mudou em relação ao futebol feminino. Em 2001 foi criada a primeira liga feminina no país, a WUSA, que  durou apenas dois anos, por falta de investimentos. Em 2008 a liga atual, WPS (Women’s Professional Soccer) foi criada e continua a desenvolver atletas profissionais no país. Hoje a liga conta com 6 times, entre eles o Western New York Flash, onde atuam duas brasileiras, Marta e Maurine. De acordo com o técnico do time, Aaron Lines, a liga tem ajudado a preparar as jogadoras para grandes campeonatos como o Mundial e as Olimpíadas.

Além de ter uma liga profissional,  o desenvolvimento das atletas nos Estados Unidos começa por volta dos 16 anos, quando a maioria das jogadoras esta’ se preparando para começar a faculdade. Hoje, nos Estados Unidos, de acordo com a NCAA (National Collegiate Athletic Association) cerca de 380 faculdades associadas têm time de futebol feminino. As atletas são disputadas pelas faculdades e recebem apoio (bolsa de estudos, alimentação e moradia) durante os quatro anos de estudo.

De acordo com o censo do IBGE, temos 17.5 milhões de meninas entre 10 e 19. Essa é a idade em que a maioria das meninas aqui nos Estados Unidos começa a se envolver com o esporte e participar de campeonatos nos clubes em que treinam. Durante o ano letivo, as escolas participam de competições e quando as atletas estão no período de férias escolares, os pais as colocam nos famosos “camps” americanos, onde têm chance de melhorar ainda mais suas habilidades e onde começam a aparecer para os famosos “olheiros” de faculdades.

O Brasil tem, é claro, tradição em futebol, vontade também. E principalmente um público que com certeza estaria interessado em torcer pelo seu time feminino, como mostram os números recordes de tuites na final do feminino e a audiência também recorde das transmissões de TV durante a ultima copa feminina,  na Alemanha.

Esse é o grande diferencial entre os Estados Unidos e o Brasil. Com uma liga estável, as americanas conseguem se preparar melhor para grandes competições, enquanto as brasileiras não conseguem ter um calendário de jogos fixo e times com estrutura para competições. A seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo este ano tinha 15 jogadoras que atuam no Brasil, sendo 6 do Santos. As outras, ou jogam fora do Brasil ou estão sem clubes. A goleira Andrea e a atacante Cristiane em entrevistas após a derrota contra os Estados Unidos, deram seus diagnósticos:  “Só raça e vontade não ganham Mundial. Só raça, vontade e confiança não ganham medalha olímpica. Tem que ter, sim, pessoas que queiram trabalhar sério pelo futebol feminino”, disse Andréa.  Já a atacante Cristiane lembrou que a Liga Americana (WPS) continua investindo pesado, não importam os resultados.

Diversas brasileiras passaram pela liga americana nos últimos anos. Formiga, Cristiane, Marta, Maurine, sendo que as duas últimas atuam no WNY Flash (NY). Esse é o terceiro clube pelo qual Marta joga nos EUA. Os dois anteriores ao WNY Flash foram campeões da liga. Hoje o time de Marta está em segundo lugar, com grandes chances de terminar em primeiro e trazer mais um título para o currículo dessa grande jogadora.

Marta fez com que a popularidade do esporte crescesse. Tornou-se um ídolo,  reconhecida e querida por onde vá. Nos jogos em casa, crianças de todas as idades lutam para conseguir um autografo ou uma foto. Muitas chegam horas antes do jogo só para ver a jogadora descer do ônibus. O WNY Flash vive dias de sucesso,  no estado de Nova Iorque depois que trouxe Marta para jogar aqui. Ingressos para os jogos vendem como água e quando os fãs ligam para comprar ingresso a pergunta é sempre a mesma: “A Marta vai jogar?”.

A pergunta óbvia é: por que uma atleta brasileira que é a melhor jogadora do mundo não está jogando em uma liga no Brasil? Por que não temos crianças brasileiras jogando futebol e dizendo que quando crescerem querem ser igual à Marta?

A Copa do Mundo feminina que terminou no dia 17 de Julho foi transmitida pelo maior canal de esportes dos Estados Unidos (a ESPN) que fez uma cobertura completa, transmitindo todos os jogos nos seus dois canais e também pela internet. De acordo com a revista Bloomberg, durante a final entre Estados Unidos e Japão o canal atingiu uma média de 8.6% de audiência. Doze anos atrás, em 1999, quando os EUA jogou a semifinal contra o Brasil o canal teve uma audiência de 3.2%. Pra se ter uma ideia, o jogo da liga de Basebal nos Estados Unidos obteve apenas 6.9% de audiência (e era o jogo dos “All-Stars”, que tem os melhores jogadores do país.)

Além disso, durante a partida, foi batido o recorde de tuítes por segundo. De acordo com o G1 e diversos jornais pelo mundo, a média foi de 7.196 tuítes por segundo durante a partida. Durante a disputa de pênaltis entre Brasil e Paraguai a média foi de 7.166 tuítes por segundo.

Esses indicadores mostram que o futebol feminino vem crescendo e tem chances de se tornar ainda maior. O futebol é um esporte de tradição no Brasil e agora é a vez do país abraçar essa oportunidade. As Canarinhas da Granja Comari contam com os mesmos patrocinadores da selecão masculina (Nike, Itaú, VIVO, Guaraná Antártica, SEARA, Nestlé, Extra, Gillette, Wolkswagen, TAM), mas não é o suficiente para que as atletas estejam preparadas para competições de grande porte. Ao contrário da seleção feminina dos Estados Unidos, o time também conta com os mesmos patrocinadores da seleção masculina (American Airlines, All State, AT&T, Budweiser, Castrol, DICK’S, Gatorade, El Jimador, Kumho Tires, Nike, Pepsi, VISA), mas o suporte e a preparação que o time recebe nem se compara a seleção brasileira. O “Team USA”, como são conhecidas por aqui, conseguem aproveitar os benefícios que os patrocínios trazem para as duas seleções. O resultado nós podemos ver dentro de campo, um time mais estabilizado, melhor preparado e com um background que não se compara ao país do futebol.

A mesma tecla vem sendo batida nos últimos anos: as meninas lutam e fazem o máximo possível para trazer alegria ao povo brasileiro. Mas sem investimento, sem organização, essas meninas vão continuar batendo na trave e o futebol feminino também.

*Maria Tereza Públio Dias é mestranda em Administração Esportiva na Universidade Canisisus, Buffalo, EUA, e estagia no WNY Flash, o clube onde joga a também brasileira Marta.

 

COMENTÁRIO.

Benê Lima disse:

Gente,

 

Li com atenção todos os comentários. Apesar do grande número, ainda assim vi lugar para um novo comentário, calcado em abordagens pouco ou nada exploradas.

 

Precisamos, a meu juízo, contextualizar a discussão. O futebol feminino no Brasil é um, nos países europeus e nos Estados Unidos é outra coisa.

 

O futebol, por aqui no Brasil, é considerado manifestação cultural, antes mesmo de o termos como prática eminentemente esportiva. E, como tal, há um viés social que pode e deve ser utilizado para impulsiona-lo.

 

Ninguém é obrigado a gostar de futebol feminino, do mesmo modo que ninguém é obrigado a gostar de qualquer outra prática esportiva. Mas, para desenvolvermos a modalidade precisamos pensa-la a partir de sua base, e não a começar pela seleção brasileira. Como dizem, ‘a qualidade advirá da quantidade’.

 

Os investimentos possuem naturezas distintas, e o lucro não é a condição ‘sine qua non’ nem mesmo a única condição para justifica-los. Se o futebol feminino for encarado como ferramenta de inclusão social, as dificuldades para seu desenvolvimento serão atenuadas, bem como estarão justificados os recursos para ele carreados.

 

Ganhar títulos não deve ser o objetivo principal do incremento que se pense para a modalidade. Outra condição que deve ser agregada a este esporte é sua profissionalização, a fim de que o interesse por ele seja substancialmente aumentado. Diante disto, a criação de um novo mercado fará eclodir, naturalmente, um processo de retroalimentação que gerará relações sistêmicas em toda a cadeia operacional inerente à modalidade.

 

Como pontapé inicial deste processo de estímulo ao desenvolvimento do futebol feminino, construímos um plano de metas no âmbito das Conferências municipais, estaduais e nacional do esporte, de modo a contemplar, mesmo que timidamente, o futebol feminino em todo o território nacional. Este Plano Decenal no qual a modalidade encontra-se contemplada já foi, em alguns casos, transformado em deliberações em nível de política pública, o que possibilita que a população possa requerer sua aplicabilidade.

 

Mãos à obra, pois.

 

(…)

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terça-feira, 19 de julho de 2011

A maturação sexual como divisor de águas no futebol feminino

Habilidades adquiridas à parte, atleta pré-puber poderá ter rendimento futuro determinado por herança do DNA

César Cavinato

Conforme o combinado, continuamos nossa proposta de discutir aspectos relacionados ao futebol feminino, apesar da tristeza de nossa seleção já estar fora da Copa do Mundo.

Mesmo assim, manifesto publicamente meus cumprimentos a todas as atletas e comissão pelo ótimo trabalho desenvolvido, pois sabemos de todas as limitações em relação à falta de apoio e de estrutura de nosso país.

Mas o assunto desta semana refere-se ao aspecto maturação.

Sabendo que o crescimento e desenvolvimento humanos seguem processos contínuos de transformações, uma pessoa que cumpra seu ciclo normal de vida percorrerá as seguintes fases: recém nascido, bebê, criança (primeira infância e segunda infâncias), pré-adolescência, adolescência, idade adulta e senescência.

No geral, aspectos relacionados à aquisição de gestos motores têm seus períodos ótimos de desenvolvimento antes da idade adulta, enquanto que alterações de composição corporal são normalmente decorrentes de hormônios produzidos a partir da puberdade.

Sendo assim, diferente dos meninos que saem da infância para adolescência com melhora de desempenho pelo aumento de testosterona, nas meninas a maturação pode ser um fator prejudicial.

Pelo fato do estrogênio (hormônio feminino) gerar acúmulo de gordura na região dos seios e do quadril, geralmente as meninas apresentam queda de rendimento nesta fase da vida, já que a gordura corporal é um tecido que pesa, ocupa espaço, porém não produz trabalho.

Isso significa que uma jogadora pré-puber, independente de sua capacidade técnica e de suas habilidades adquiridas, poderá ter seu desempenho futuro determinado por sua herança genética, pois quanto maior o acúmulo de gordura corporal pós puberdade, maior será o prejuízo em seu desempenho para o futebol.

Além disso, se contarmos que muitas meninas iniciam a vida sexual precocemente e passam a usar métodos contraceptivos que contribuem para maior retenção de líquido, alteração metabólica e maior acúmulo de gordura, temos mais um aditivo prejudicial ao rendimento esportivo.

Considerando, então, que as alterações advindas da puberdade são até certo ponto imprevisíveis, i.e., não há como estimarmos com acurácia o que irá acontecer exatamente com a estatura final, o tamanho dos seios ou a quantidade total de gordura que será acumulada em uma menina – esse é um problema longe de ser resolvido.

A única solução é deixar esse aspecto de lado e focar atenção no ensino correto dos gestos técnicos, desenvolver habilidades específicas da modalidade e, principalmente, massificar a prática para o maior número possível de meninas pré-púberes.

Desse modo, as garotas que geneticamente não sofrerem tantas transformações negativas para a prática do futebol poderão manter o desempenho e quem sabe um dia transformar a prática em carreira; e aquelas que, lamentavelmente, não se mantiverem competitivas, poderão utilizar a modalidade como lazer ou prática para manutenção de parâmetros de saúde, utilizando o futebol como meio de atividade física.

Mas será possível o futebol ser utilizado por mulheres como manutenção da boa forma e de parâmetros relacionados à saúde?

A resposta virá na próxima quinta!

Até lá.

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Raio-x da final do Mundial Feminino

O raio-x da final entre Estados Unidos e Japão e o porquê de Brasil e Alemanha não terem chegado lá

Enquanto asiáticas exploram a posse de bola e os lançamentos no lado oposto, com marcação pressing no meio-campo, norte-americanas apostam na variação e nas bolas paradas

Márcia Oliveira*

Em julho é verão na Alemanha, mas em 2011 o tempo está mais para chá quentinho do que para cerveja para os habitantes locais. Particularmente, as minhas bebidas favoritas são chá e café com leite. Deixo a cerveja para os alemães, que não dispensam a bebida mesmo com um pouco de frio. Eles e seus visitantes também virão mudanças nas previsões da final, como também no tempo. Em vez de Alemanha e Brasil, como eles queriam, verão Estados Unidos e Japão.

Acompanhei essa Copa do Mundo de futebol feminino com um grupo de técnicos dos EUA da NSCAA (National Soccer Coach Association of America). Nós ficamos hospedados em uma famosa escola de futebol, em que os grandes nomes da seleção alemã masculina faziam treinamentos antes dos Mundiais. Hoje, o local dá vaga aos cursos para treinadores do mundo inteiro.




Na entrada da Hennef Sportschule, a escola de técnicos associada com a DFB, a Federação Alemã de Futebol

Os alemães mantêm a sua paixão e o investimento no futebol, agora mais ainda no feminino. Nomes como Margrat Kratz, ex-jogadora da seleção alemã, fizeram cursos profissionais de futebol nesta escola - ela foi uma das scouting para o time da Alemanha nesta Copa.

Os EUA e o Japão fazem a final quando ambos perderam um jogo na fase dos grupos e terminaram em segundo; o primeiro perdeu para a Suécia, e o último para a Inglaterra.

O Brasil não passou das quartas de final, perdendo para os EUA nos pênaltis, depois de deixar as rivais empatarem no último minuto da prorrogação, tendo a vantagem de jogar com uma jogadora a mais.

Diferentemente das últimas competições internacionais (de 2004 a 2008), as brasileiras jogaram mais defensivamente, explorando as arrancadas de Marta e Cristiane, e continuando a mostrar grande vantagem técnica individual com outras atletas.

A condição tática teve muitas críticas da imprensa e de técnicos, e vai precisar de melhor aplicação e incentivo.

Já a Alemanha teve um time forte física e taticamente, usando o “sistema do momento”, 4-2-3-1. Tinha seus altos e baixos, mas conseguia manter o nível de jogo e saía ganhando. Perdeu para o Japão em jogo surpreendente nas quartas de final, em que o adversário foi inabalável defensivamente e aplicado quando conseguia atacar.

As asiáticas marcaram o gol na prorrogação, que mandou a Alemanha para casa, na própria casa. O país ficou chocado e só depois de ver o Japão ganhar da Suécia para estar na final que passou a reconhecer que caiu para um grande time. A treinadora Silvia Neid já renovou o seu contrato com a federação alemã.

Os EUA têm uma forte renovação e oscilaram na competição. Antes de chegar ao Mundial, a equipe teve que ir à repescagem para se classificar em jogo contra a Itália, após perder a classificação para o México na Concacaf.

Mesmo assim, os EUA têm crescido na competição, pois mantêm uma filosofia clara de atuação e jogadas bem elaboradas. Há setores bem definidos que fazem as jogadas e marcam no sistema de “pressing” (na maioria das vezes no meio do campo).

A jogada do gol contra o Brasil (o único gol feito por uma jogadora dos EUA, já que o outro gol foi contra) é bem conhecida: Rapinoe faz o lançamento para a atacante Wambach, que entra na diagonal oposta.

Aqui estão alguns pontos de jogadas e do sistema dos EUA.
 

Sistema: 4-4-2 transicionando para 4-3-3



 

Variação de jogadas




Bola saindo da goleira, com opções de jogadas das atacantes e meio-campistas; bola saindo do meio com ultrapassagem da lateral.




Jogada mais utilizada, partido do meio-campo para a diagonal oposta; na maioria das vezes para Wambach cabecear, como no gol contra o Brasil




EUA “pressing” – No campo do adversário, com opção de roubar a bola e virar o jogo logo em seguida para a diagonal oposta.



 




Uma das jogadas de escanteio com intuito maior de servir #20 Wambach




Inicio de jogadas da lateral dos EUA. Esse tipo de lance deu certo 
contra o Brasil, levando a decisão para as penalidades máximas


 

O Japão, com a sua posse de bola (60% no jogo contra a Suécia) e disciplina tática, usa um sistema 4-4-2 diferente dos EUA. Assim que rouba a bola dentro do seu sistema imediato de “pressing” (no meio-campo), mantém a posse com paciência e precisão para fazer lançamento no lado oposto.




Sistema do Japão 4-4-2 com diagonais no meio-campo. A opção geralmente é o lançamento no lado oposto, mas varia para o menos óbvio, do mesmo lado




Marcação do “pressing” do Japão com deslocamento da lateral do mesmo lado da bola. Elas variam o “pressing” no campo do adversário e no meio, mas sempre defendem na intermediária





Jogo do Japão em Frankfurt, contra a Suécia; equipe pronta para defender no seu sistema de “pressing” no meio-campo

 

O que esperamos ver? Um Japão disciplinado e um Estados Unidos aguerrido com diversas opções de jogadas além da sua força física. Dois times que cresceram na competição e um planejamento impecável da sua programação com o futebol feminino em seus respectivos países.

Os EUA, apesar da crise financeira, têm um sistema de infraestrutura colocando jogadoras novas todos os anos e com mais potenciais vindas das universidades de primeira divisão. O país tem 320 universidades com futebol feminino. Ainda por cima, uma liga profissional que está lutando para se fixar, pois foi efetivada em meio à crise financeira mundial.

O Japão tem adaptado a filosofia de jogo do futebol brasileiro há bastante tempo e tem um planejamento bem estruturado nos últimos oito anos. O ex-técnico da seleção brasileira feminina, Jorge Barcellos, trabalhou por lá como técnico antes de comandar a equipe em 2007 e 2008, com resultados de vice-campeão mundial e medalha de prata nas Olimpíadas.

O maior ganhador deste torneio é o futebol feminino mundial. Apesar de ter apenas um dos favoritos para o titulo na final (EUA), percebeu bons valores nos outros três finalistas - França, Suécia e Japão. Eles deram uma grande amostra de que o nível do futebol feminino em outras partes do mundo está crescendo e tem suporte. E o nível deste Mundial melhorou muito.

Daqui para frente, países como o Brasil, que investe pouco na estrutura do futebol feminino, pode ficar ainda mais para trás.

Em entrevista para o site da Fifa, a ex-técnica da Alemanha em 2003, Tina Theune, hoje na comissão de estudos técnicos, disse que os resultados apertados e o grande número de jogos tensos sem ganhador claro, demonstraram que o futebol feminino tem aumentado o seu nível, com mais times em condições de títulos que antes. Principalmente nas quartas de final. Talvez já seja hora de aumentar o número de participantes de 16 para 24, afirmou ela.

Por outro lado, o que move e dá o suporte ao futebol foram recordes de telespectadores e torcedores nos estádios. O jogo da semifinal entre Japão e Suécia alcançou 45 mil fãs pagantes. E esse jogo não tinha o país anfitrião em ação...

O povo alemão ainda continuou indo aos estádios, vestindo suas camisas, seus chapéus, e mostrando em pinturas a bandeira germânica, mesmo sabendo que o seu país não estava mais jogando. Isso é que é paixão pelo futebol. Mesmo que seja feminino.

Tudo de bom, “Alles Gute!”.

*Márcia Oliveira é treinadora de futebol nos Estados Unidos. Conheça mais as ideias dela clicando aqui.

Tags: seleção brasileira, Futebol feminino, estados unidos, Japão, copa do mundo, Setor Técnico, infraestrutura, investimento, cultura

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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Raio-X do Mundial de Futebol Feminino na Alemanha

Copa do Mundo de futebol feminino 2011 – semifinais sem Alemanha e Brasil

A decepção é geral no Mundial e o país anfitrião queria ver sua seleção jogar contra o Brasil na final. EUA, Suécia, Japão e França avançam

Márcia Oliveira*

Em um final de semana decepcionante com jogos pelas oitavas de final, o Brasil e a Alemanha deixaram o Mundial feminino de 2011 com a pior colocação das últimas edições.

O Brasil ficou no pior patamar nos últimos 12 anos de competição internacional na modalidade. A Alemanha não via tamanha decepção também em toda sua história. Ainda por cima, as germânicas não têm lugar nas Olimpíadas em Londres 2012. O consolo está no Mundial sub-20 em 2010 conquistado pela mesma.

O Japão não parecia ser problema para a Alemanha, que já estava celebrando a sua vitória antes de o jogo começar, e os jornais já estampavam grandiosa admiração pela equipe do país e comemorava o primeiro lugar no seu grupo no último jogo vencido por 4 a 2 sobre a França.

Mas o time disciplinado e perseverante do Japão mostrou que o futebol bem jogado e taticamente eficiente pode “fazer milagres”. Afinal de contas, o futebol é um esporte equalizador. Basta saber o que está fazendo, ter uma boa equipe, e poderá complicar a vida de qualquer time grande.




O Japão marcou bem e fez boas transições de jogo contra a Alemanha

Frustração da Alemanha no ataque foi geral, e o time "que não fez, acabou levando"

 

Não deu outra! O Japão ganhou o jogo por 1 a 0 e chocou o país, trazendo à tona mais ainda os problemas internos da Alemanha com a sua estrela principal Brigit Prinz. Mais um recorde de audiência na televisão e de público pagante, que desta vez não teve comemorações.

Apesar do fracasso inesperado, a DFB, Federação de Futebol Alemã, comemorou que o futebol feminino criou o seu lugar nos corações dos alemães e vai continuar admirado e tendo o suporte por lá. No ano passado, no Mundial sub-20 na Alemanha, o time anfitrião foi campeão, enquanto que o Brasil fracassou.

Do lado do Brasil, o jogo contra os Estados Unidos tinha suas peculiaridades. Grandes duelos já haviam sido travados entre os dois, e ambos tinham estado como dois melhores do mundo em Copa do Mundo e Olimpíadas anteriores. Os EUA vinham de uma derrota para a Suécia por 2 a 1 ficando em segundo na sua chave neste Mundial.

Elas já pareciam dar como perdida a sua participação na Copa, pois viam o Brasil favorito pelas grandes atuações individuais de Marta e outros grandes nomes da equipe, como Rosana, Erika e Cristiane. Os EUA estavam assustados e com medo, pois seria a pior Copa delas se caíssem para o Brasil.

O padrão de jogo brasileiro, ou a falta de um, como se viu em outras competições mundiais, ainda recebia grande crítica de técnicos e imprensa desde o começo da Copa. Novamente, o ex-técnico dos EUA, Tony DiCicco, mantinha sua postura em rede nacional ao criticar a desorganização do time brasileiro e a aparente inexperiência do técnico Kleiton Lima.



Cobertura dos jogos do Mundial feminino pela ESPN dos EUA; à direita, o ex-técnico e campeão mundial por aquele país, Tony DiCicco

 

Aos 2 minutos do primeiro tempo, o Brasil marcou contra. Os EUA celebraram o que tinha sido previsto pelos comentaristas e técnicos sobre a condição da defesa. A televisão alemã mostrou vídeos em animação computadorizada do Brasil, explicitando a mesma situação em jogos anteriores contra times mais fracos.

O time dos EUA por sua vez continuou marcando a estrela brasileira Marta duramente e acabou perdendo uma jogadora ainda no segundo tempo com um cartão vermelho. Marta marcou em pênalti e ajudou o Brasil a ir à prorrogação.



 

Os EUA jogaram a maioria do duelo, incluindo a prorrogação, com 10 jogadoras e o Brasil só marcou em um lance brilhante de Marta, que ela mesmo ficou surpresa. A goleira dos EUA ficou completamente batida – a melhor goleira e “musa da Copa” chamada pela imprensa brasileira ficou sem ação diante do brilhantismo de Marta.



 

Daí por diante o jogo foi à loucura, e o Brasil só precisava ter mais organização e segurança. Não aconteceu. Mesmo com 10 jogadoras em campo, os EUA empataram o jogo no último minuto, levando para a prorrogação.

Infelizmente, a zagueira Daiane, que esteve envolvida no gol contra do Brasil, foi escalada para os pênaltis e não converteu. A imprensa alemã criticou duramente a escalação dela – sugeriu, inclusive, que isso foi uma decisão proposital do técnico do Brasil, não respeitando a situação da jogadora que já havia sido infeliz no mesmo jogo e não devia ter sido selecionada para as cobranças.




O público e o time do Brasil não conseguem entender a derrota de um jogo ganho... 

 

Decisões à parte, o “Brasil de Marta” ficou no caminho, jogando contra uma seleção inconsistente dos EUA, que está fazendo uma renovação no seu elenco desde as Olimpíadas de 2008.

Com certeza, ser técnico de uma seleção nacional não é fácil, principalmente se a equipe não mostra padrão de alto nível e não se classifica. Nenhuma federação ou confederação escolhe técnicos para perder. Nenhum técnico toma decisões para o seu time para não ser bem sucedido. Se a bagagem do técnico não for grande e boa, as coisas ficam piores ainda, e o fracasso é quase certo durante ou depois.

Enquetes na Alemanha (sportschau.de) e no Brasil (espn.com.br) abrem opções de votos sobre os seus respectivos técnicos. Silvia Neid, técnica da Alemanha, tem o apoio até agora de quase metade dos leitores pela atuação da sua seleção e o problema interno com Brigit Prinz.



Sportschau.de – enquete sobre a treinadora da Alemanha ter sido a certa ou não para a seleção local; opções: Ja (sim), Nein (não). Segunda foto mostra o resultado até agora, quase dividido em opiniões. 


O técnico do Brasil, Kleiton Lima, é visto por impresa e técnicos como um profissional inexperiente. Sua trajetória internacional começou na Copa do Mundo do Chile, quando comandou o sub-20 e não passou das oitavas novamente. No caso dele, a CBF parece querer investir no técnico e continuar dando suporte e oportunidade para ser tornar um comandante mais capacitado internacionalmente.

Há um ano à frente da seleção principal, ele teve grandes oportunidades com a CBF e pode continuar a receber esse apoio para melhorar a sua atuação. A entidade fez isso anteriormente com Dunga na seleção masculina.




 

A Copa Mundial da Alemanha 2011 segue com a França e Suécia como favoritas. Os EUA jogam contra a França na primeira semifinal, e a Suécia contra o Japão, que já fez história na vitória contra a Alemanha e pode ficar no caminho.

Já as norte-americanas precisam ter mais consistência pela oscilação da renovação e deve sofrer com o desfalque da zagueira Buehler.




Veremos se a final terá jogos com tamanha surpresa como foi o duelo entre japonesas e alemãs. De qualquer forma, o futebol feminino no mundo ainda ganha com isso, pois outros países mostram o seu potencial e expandem a sua motivação de apoio a outras partes do mundo.

O único país que não vai mostrar muita diferença com os resultados da Copa é o EUA, que já está entre os quatro melhores do mundo e mantém uma estrutura excelente.

Seja qual for o resultado, as americanas têm uma base de 320 universidades em primeira divisão com futebol feminino e a sua liga profissional está com planejamento fechado para os próximos dois anos. Os dirigentes estão cautelosos nesta fase, em que não se fazem mais contratações de técnicos internacionais (o último foi Jorge Barcellos, vindo do Brasil) e se tem mantido a lista de jogadoras com mais nomes nacionais (cada equipe pode ter apenas três jogadoras internacionais).

Eles querem manter os salários de técnicos e jogadoras baixos – aproximadamente 60 mil dólares por ano –, enquanto o país ainda passa por problemas financeiros. A cautela é grande para manter a liga profissional. O planejamento é continuar investindo domesticamente, e a Copa do Mundo faz a propaganda para melhores investimentos para superar a recessão.

Fiquem ligados! Este Mundial feminino 2011 ainda tem muito que contar.

Até logo, ‘Bis später’.


*Márcia Oliveira é treinadora de futebol nos Estados Unidos. Conheça mais as ideias dela clicando aqui.

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quinta-feira, 7 de julho de 2011

A influência da regra no futebol feminino

Caso gols, tamanho de campo e o número de jogadoras fossem adaptados, iríamos ter um jogo mais atrativo?

Durante todo o mês de junho dedicamos espaço para discutir aspectos relacionados à seleção, formação e detecção de talentos. Como, obviamente, um mês não foi suficiente para esgotar o assunto, voltaremos com ele num futuro próximo em período oportuno.

Antes de iniciar com o texto desta semana, primeiro quero agradecer pelos comentários e discussões (presenciais ou à distância) que tive com muitos de vocês, leitores. Por favor, continuem usando esse espaço para interagir colaborando para o nosso progresso.

Voltando para o assunto da coluna propriamente dita, neste mês de julho, aproveitando o gancho da Copa do Mundo de futebol feminino, quero dedicar espaço às mulheres.

Antes que você pense que abordaremos aspectos da regra feminina (menstruação), quero esclarecer que o título da coluna não se refere a nenhum trocadilho e nosso foco será mesmo voltado para a regra do futebol. Não que a interferência da menstruação sobre o desempenho do futebol não seja interessante. Podemos até discutir este assunto numa outra oportunidade, mas é que nesta semana este tópico não vem ao caso. O que desejo mesmo é discutir até que ponto a regra do futebol feminino ser idêntica à do masculino auxilia ou prejudica a modalidade.

Diferente de outros esportes como basquete e vôlei que possuem regras ajustadas para as mulheres (diminuição da altura da rede e da cesta, por exemplo), no futebol feminino não há mudança nenhuma em relação ao futebol masculino. Essa medida, por muitas vezes, torna a modalidade monótona, pouco competitiva e até certo ponto sem graça, pois considerando que as mulheres, por natureza, apresentam maior percentual de gordura, menor estatura, menos força, velocidade, potência e resistência do que os homens, é natural que a dinâmica do jogo seja completamente diferente já que apesar das diferenças gritantes entre homens e mulheres, o espaço, o número de jogadores e o tempo da partida são idênticos entre o futebol masculino e feminino.

Sem adaptações, ocorrem discrepâncias tamanhas as quais geram dois mundos absurdamente distintos. Você já parou para pensar a razão do sucesso ou o fracasso de outras modalidades coletivas serem mais ou menos semelhantes para ambos os gêneros e no futebol ser completamente diferente? 

E por que a imprensa discute a convocação de um ou de outro jogador para a seleção masculina, mas nem conhece quem irá para a seleção feminina, nem muito menos onde cada menina joga? Sem falar no tempo e no espaço dedicados ao futebol feminino e masculino na mídia impressa e televisiva.

Não dá para determinar se as discrepâncias entre o futebol feminino e masculino em nosso país são causa ou consequência de fenômenos sócio-econômico-culturais, mas penso que se houvesse algum tipo de ajuste, poderíamos ter efeitos positivos, completamente diferentes do atual.

A figura abaixo representa um círculo vicioso que explica, em parte, os problemas enfrentados pelo futebol feminino.



 

Não pretendo inventar outra modalidade ou alterar o pensamento e o comportamento da maioria da população, mas talvez se tivéssemos gols, tamanho de campo e o número de jogadoras adaptados de tal modo que deixassem o jogo mais atrativo, ou até mesmo ter incentivo das federações e a obrigação dos clubes em formar e manter o futebol feminino, poderíamos inverter o quadro atual do futebol feminino e quem sabe um dia até ter a atenção da população repartida de forma equânime para homens e mulheres.

Tal mudança provocaria uma série de oportunidades de negócios, geração de mais empregos, alavancagem econômica de clubes e atletas e ao invés do circulo vicioso, poderíamos gerar um ciclo virtuoso.

Sei que esse pensamento pode até ser utópico, mas que seria legal ver jogadoras fazendo propagandas de produtos, valendo os mesmos milhões que os atletas masculinos e provocando as mesmas discussões e brincadeiras de torcedores apaixonados pelos seus times nas versões femininas, ah, isso seria...

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