segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Projeto para o Futebol Feminino do Flamengo terá duas etapas

Está a cargo da presidente Patricia Amorim o pontapé inicial para que o futebol feminino se torne uma realidade no Flamengo. O projeto, já aprovado pelo Conselho Fiscal e encaminhado ao Conselho Diretor, foi apresentado ao técnico da Seleção Brasileira feminina, Kleiton Lima, mas depende do estabelecimento do calendário oficial da modalidade para evoluir.

A primeira etapa engloba as disputas do Campeonato Carioca e da Copa do Brasil. O Estadual prevê competições sub-17, no fim de maio, e sub-23, a partir de junho. Clube algum, por ora, confirmou presença. Já a Copa do Brasil, disputada desde 2007, terá início no dia 15 de setembro.

Posteriormente, em um segundo momento, o time rubro-negro iniciaria sua trajetória internacional. A participação na Libertadores em 2012 é o objetivo maior, incluindo também amistosos internacionais.

- O projeto tem bases para já ser iniciado este ano. É montar uma equipe para o Carioca e, futuramente, galgar uma Copa do Brasil e uma Libertadores. Recebi o convite nesse primeiro contato e, agora, é esperar a diretoria estabelecer as metas para a modalidade - explicou o treinador.

Os detalhes da montagem do grupo ainda são tratados internamente, mas a ideia do Flamengo é ter o modelo autosuficiente do Santos para a empreitada.

Nesse primeiro instante, a Copagaz, empresa que custeará a modalidade, desembolsará cerca de R$ 600 mil para criação e manutenção do time.

Em 2010, por exemplo, a Copagaz bancou R$ 1,2 milhão dos cerca de R$1,5 milhão destinados pelo clube paulista à modalidade.

Kleiton Santos assumiu a equipe feminina do Peixe em 1997, quando o clube tinha parcerias com cidades próximas a Santos.

Em 2009 e 2010 atingiu o auge com o bicampeonato da Libertadores.

O trabalho a longo prazo é apontado pelo técnico como um dos pilares para o sucesso do futebol feminino no Santos.

- Não começou da noite para o dia. Ganhou um alcance depois e o Santos, hoje, tem um grande departamento que auto se sustenta - comentou.


Bate-Bola: Kleiton Lima - Em entrevista ao LANCE!NET

Como aconteceu o processo de estruturação do futebol feminino no Santos?

O primeiro time foi montado ainda em 1997 em cima de algumas parcerias. Não havia muito investimento. Depois foi ganhando cara de profissional e de 2007 a 2010 as conquistas aconteceram. Fomos bicampeões paulistas, da Copa do Brasil e da Libertadores.

E como foram as conversas com Patricia Amorim?

A primeira conversa aconteceu na terça. Patricia é uma pessoa sensacional e está vendo a possibilidade do futebol feminino como um projeto bem legal. Conversamos sobre a base estrutural.

Qual a dimensão o clube quer atingir? Marta está nos planos?

Ainda é cedo para falar de elenco. É até precipitado. Sei da gama de jogadores que têm qualidade, mas não há conversas. Não há promessa alguma ainda da presidente. A única coisa que ela disse nesse sentido é que irá trabalhar para que o projeto de futebol aconteça.

E quando voltará a conversar com o clube?

Pediram para que eu aguarde, mas não foi falado um prazo. Vou fazer contatos e vamos tentar colaborar de alguma forma, além da parte técnica.

Fonte: LanceNet

.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Seleção feminina de futebol do Haiti: considerações acerca dos treinamentos técnico e tático

Opção foi pela forma globalizada de trabalho, rompendo com a teoria tradicional (analítico-reducioninista)

Alexandre Pereira Lemos e Augusto Moura de Oliveira*

Sabe-se da importância de fatores extrínsecos no tocante ao processo de treinamento de uma equipe de futebol. Diante disso, cabe sublinharmos a relevância da infraestrutura física, da equipe multidisciplinar e também de uma comissão técnica coesa e, principalmente, que atue respeitando uma sequência pedagógica e objetivando o cumprimento dos objetivos propostos durante a fase de planejamento.

Porém, o enfoque será dado ao processo de sistematização, elaboração e aplicação do treinamento técnico e tático da seleção feminina de futebol do Haiti, que esteve presente no Brasil por um período de 60 dias (setembro e outubro/2010) para efetuar vossa preparação para a Copa Ouro, competição organizada pela Concacaf em Cancún, no México, e que classificou as duas melhores equipes para a Copa do Mundo de futebol feminino que acontecerá na Alemanha neste ano.

Diante disso, abordaremos de forma sucinta e objetiva a metodologia utilizada para desenvolver os componentes técnicos e táticos da equipe feminina do Haiti. O treinamento foi desenvolvido de forma globalizada, a fim de otimizar a questão técnica dos gestos motores. É evidente que um repertório motor desenvolvido de forma adequada facilita a transferência para o elemento tático do jogo, visto que o maior repertório técnico influencia diretamente na tomada de decisão.

A opção pela forma globalizada de trabalho vem da ideia de que os elementos técnico-táticos estão diretamente ligados, assim a importância de desenvolver ambos em conjunto de forma ótima, rompendo com a teoria tradicional (analítico-reducionista).

Entretanto, não discutiremos os obstáculos estruturais e sociais que o país enfrenta há alguns anos e nem abriremos debate sobre os motivos dessa cultura motora não ter sido desenvolvida a contento. Aqui, delinearemos o estudo baseado nos fatos e dados observados através das intervenções práticas.

Para tanto, foram utilizados exercícios objetivando não apenas a correção do movimento e refinamento do gesto, mas a introdução do elemento técnico-tático cognitivo adaptando a equipe à forma globalizada de jogar. Logo, também fizemos uso de jogos adaptados e em espaço reduzido, criamos nos treinos inúmeras situações-problemas onde as atletas se depararam com momentos de tomada de decisão que se assemelham as situações inerentes ao jogo, haja vista que elas estão muito presentes nos aspectos cognitivos emocionais que estreitam as esferas do treino em forma de jogo e do jogo em si.

Sendo assim, buscamos desenvolver os princípios de ataque e defesa durante as sessões de treino e criamos jogos para execução das ações táticas específicas e situacionais, com a intenção de fornecer e nutrir o repertório motor e cognitivo das atletas a fim de equilibrar o desenvolvimento ofensivo e defensivo da equipe.

*Alexandre Pereira Lemos, graduando em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa é auxiliar técnico da seleção haitiana de futebol feminino.

Augusto Moura de Oliveira, professor Especialista em futebol, é técnico da seleção haitiana de futebol feminino.

.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Gestão: Kleiton Lima e Flamengo negociam time feminino em SP

ERICH BETING
Da Máquina do Esporte, São Paulo - SP

Uma reunião nesta terça-feira entre o treinador da seleção brasileira de futebol feminino, Kleiton Lima, e a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, pode selar a criação de uma equipe da modalidade pelo clube carioca.

O time feminino do Flamengo, porém, deverá ficar sediado no Guarujá, no litoral sul de São Paulo, e faz parte de um projeto que vem sendo traçado desde o final do ano passado pela prefeitura da cidade para se transformar num centro de formação de atletas da modalidade.

Além da prefeitura local, o acordo entre Lima e Flamengo pode contar ainda com o apoio financeiro da Copagaz, marca que vem se tornando tradicional parceira do futebol feminino. A empresa patrocinou, há dois anos, o retorno de Marta aos gramados brasileiros ao investir no patrocínio ao time feminino do Santos. Agora, a diretoria da empresa estuda a proposta para ser a principal patrocinadora do clube, o que ajudaria a reforçar seu vínculo com a modalidade.

“O Flamengo é mesmo um clube imprevisível, administrativamente: quando dele se espera não vem, e quando vem nos surpreende com uma medida em prol do futebol feminino.”  --  Benê Lima

Os detalhes do acordo serão tratados nesta terça-feira, quando Patrícia Amorim pretende revelar à imprensa a intenção de o Flamengo ter uma equipe feminina de futebol. O clube, porém, não precisaria investir dinheiro na formação do time. A contrapartida rubro-negra seria a formação de um departamento de futebol feminino, além da óbvia cessão da marca para o uso pelo time sediado no Guarujá.

Kleiton Lima era, até pouco tempo atrás, treinador do time feminino do Santos, principal referência no futebol feminino na atualidade. No início do ano, porém, ele deixou o clube após atrito com a atual diretoria.

.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Entrevista: Sávio Assis de Oliveira, mestre em Educação

Sávio Assis de Oliveira, mestre em Educação
Especialista na área fala sobre a 'reinvenção' do esporte e o que espera do legado social no País
Equipe Universidade do Futebol

Sávio Assis de Oliveira é um dos grandes contribuintes para a reflexão sobre a Educação Física escolar no País. Graduado na área, com especialização em Pedagogia do Esporte e mestrado em Educação, todos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele é autor de “Reinventando o esporte: possibilidades da prática pedagógica”, obra que dialoga com a “desesportivização” da Educação Física e o não abandono do esporte pela escola.

A tematização básica são as discussões sobre a escola e suas relações com a sociedade capitalista, indicando que essa instituição possui importante papel na reprodução dos valores desse modo de produção. Por intermédio da Educação Física escolar, influenciada pela instituição esportiva, que a escola assume códigos, sentidos e valores da sociedade capitalista.

O livro tem como suporte o paradigma da cultura corporal e a metodologia crítico-superadora, colocando em xeque as “regras do jogo” do esporte moderno, apontando, com detalhes, as relações entre o fenômeno esportivo e a sociedade. Outro jogo seria possível? Sávio não tem dúvidas de que a resposta é positiva.

“O termo ‘reinvenção’ já procura trazer a ideia de que o esporte – e podemos contemplar o futebol – é invenção dos homens. Muitas vezes falamos em mudanças no esporte e parece ser impossível, como se ele não fosse uma produção humana. Como tal, podemos resgatar a dimensão humana das modalidades e tentar fazer diferente”, explicou o professor, que é membro do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) desde 1991, tendo exercido os cargos de secretário estadual em Pernambuco (1997-1998) e diretor de divulgação da Direção Nacional (1999-2001).

Tricolor pernambucano de coração, Sávio coordena desde 2009 o Grupo de Trabalho Temático "Políticas Públicas" da CBCE, tendo integrado o Comitê Científico deste GTT no período 2005-2007. Para ele, a abordagem específica da modalidade esportiva coletiva mais popular do mundo deve ser feita no plural – os “futebóis”, como ele costuma se referir a alunos e demais docentes.

“Pluralizar, fazendo um movimento que já é levantado por profissionais da pedagogia do esporte, é necessário, assim como entender o que dá identidade ao jogo do futebol e o que é possível mexer, mantendo-se o que é fundamental do jogo. Não só no jogo em si, temos de abordar tudo o que envolve esse ambiente”, indicou Sávio.

O futebol, crê, é uma possibilidade de inserção no mercado de trabalho, mas não apenas como jogador profissional. Sávio defende a ideia de que as crianças, nas escolas, tenham acesso a mais informações, sem a falsa promessa de que o esporte garante mobilidade social, com a mostra clara do conjunto de suas possibilidades e das suas contradições.

“Sempre trabalho com a ideia de que o professor precisa provocar o aluno a refletir. Esse processo deve se realizar a partir da interação entre as duas partes, e não de uma forma pronta e acabada. Tanto os professores em relação às grandes políticas, e os alunos em relação ao planejamento dos professores, são os piores executores daquilo que não gostaram e de que não participaram”, completou.

Entre outros pontos abordados nesta entrevista à Universidade do Futebol, o ex-secretário adjunto de Educação da cidade do Recife (2001-2004) e atual professor da Faculdade Salesiana do Nordeste (FASNE) analisou o legado previsto com a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 – em especial na área social –, conferiu um diagnóstico da Educação Física e das Ciências do Esporte atualmente no Brasil e falou sobre qual a possibilidade de instrumentalizar o futebol para integrar novos conhecimentos a partir das escolinhas.




Reinventando o esporte: possibilidades da prática pedagógica 


Universidade do Futebol – 
Quem é o profissional – e o ser humano – Sávio Assis de Oliveira e como se construiu sua relação com o futebol?

Sávio Assis – Meu envolvimento com a educação física se dá desde a escola, ainda como aluno, com o voleibol. Em função desse prazer em relação à área, resolvi que profissionalmente queria trabalhar com isso. O percurso do curso acadêmico me fez olhar para outras possibilidades do esporte e da educação física que não apenas o treinamento da modalidade e, antes, o de ser atleta.

Meu trabalho de conclusão de curso de graduação, passando pelo mestrado e pelo doutorado, sempre focou o esporte, ou como conteúdo de aula, ou como objeto de uma política pública específica. E paralelamente a isso tem um envolvimento enquanto torcedor apaixonado do Santa Cruz Futebol Clube, que por questões diversas – desde a estrutura geral do futebol profissional até questões específicas de suas administrações – amarga a quarta divisão do futebol nacional.

Dentro dessa preocupação, sempre tive um olhar voltado ao futebol, como objeto de estudo e como paixão pessoal.

Universidade do Futebol – Como você analisa o fato de que o Brasil sediará nos próximos anos uma Copa do Mundo? Será possível traduzir o evento esportivo em um legado positivo para o País?

Sávio Assis – Inicialmente eu participo de uma dúvida nacional: nas condições atuais do Brasil, deveria ser prioridade a realização desses grandes eventos, como Copa e Olimpíadas? É dúvida, mesmo, antes de uma posição, ou algo questionável. Sei que na administração pública temos de conviver muitas vezes com a combinação de atendimento de grandes eventos e de investimento de uma forma mais consistente e duradoura diante das carências.

É inimaginável, por exemplo, que cidades como Recife e Salvador deixem de aplicar verbas e realizar investimento em Carnaval, apesar de elas terem dificuldades em áreas como saúde e educação. Não se pode trabalhar com tal lógica. Mas quando se fala em legado, fala-se em aproveitar determinadas situações para que também se avance em outras.

Acredito que o legado que se trabalha em grandes eventos é o de abertura de postos de trabalho – geralmente temporários – e na melhoria de infraestrutura. Ou seja, a edificação do que ficará por conta do evento. Mas é importante fiscalizar e definir qual a melhor forma que cada cidade tem para participar de um evento deste tipo. E qual a participação do poder público em um negócio cada vez mais privado.

O que a Fifa arrecada de contrato com as Copas seguintes são números gigantescos e até de difícil compreensão. E mesmo com esse dinheiro que circula, há o apelo da participação governamental. População e sociedade organizada têm de ficar atentas e cobrar o investimento público vinculado ao legado social.

Mais especificamente na área da educação física, é importante discutir o que ficará para o futuro em relação à massificação do esporte, sua importância educacional, o objeto não só de entretenimento, etc.

Talvez o maior legado para a parte da escola que trata mais diretamente do esporte e do futebol seria que pudéssemos chegar a 2014 com todas as instituições de ensino públicas tendo aulas regulares de Educação Física e os professores com condições de trabalho para discutir a realização de uma Copa do Mundo.

Normalmente, quando há um grande evento, a escola se envolve em questões mais periféricas sobre os países participantes, que não o jogo em si, a atividade física em si, e não relacionada à profissão e ao futebol de alto nível como negócio.


Grande legado social ao Brasil pós-grandes eventos esportivos seriam realização regulamentar de aulas de Educação Física em escolas públicas e valorização salarial de professores, diz Sávio
 

Universidade do Futebol – E qual o diagnóstico que você faz hoje da Educação Física e das Ciências do Esporte no Brasil?

Sávio Assis – Antes até do diagnóstico, e ainda do ponto de vista que envolve a Copa, algumas cidades têm o problema de não enfrentar a estrutura já existente. Em Recife, onde moro, está se debatendo a construção de um novo estádio, por exemplo, sendo que temos três praças esportivas com capacidade para no mínimo 20 mil pessoas.

Seria necessária uma compreensão do poder público e dos órgãos responsáveis para se trabalhar a partir do existente e o que pode ser feito, gastando menos e tendo maior repercussão social. Uma relação direta de união em torno dos clubes, no caso de Pernambuco, para que o maior estádio fosse adaptado para o evento, com os outros dois rivais atuando de maneira integrada e recebendo outras opções de melhorias.

O diagnóstico que faço da Educação Física e das Ciências do Esporte é de um avanço de uns anos para cá, no sentido de ampliação das possibilidades de intervenção e do tratamento do esporte enquanto conteúdo. Mas um avanço geralmente conflituoso – o que é muito bom para se atingir objetivos.

Convivemos com uma polêmica em torno da formação. Cursos têm finalidades diferentes, aparentemente, como o de licenciatura e o de graduação; o primeiro habilitando para a docência na escola, e o segundo, para outras possibilidades de treinamento, atividade física e saúde, trabalho em academia e outros projetos. E há uma parte da área reivindicando a defesa de uma licenciatura ampliada, que desse conta tanto da escola, quanto dessas outras atividades de intervenção.

É uma esfera em expansão, do ponto de vista das possibilidades, e do ponto de vista de tratar os temas de modo mais científico. Sinto necessidade de construir alguns consensos, mesmo que provisórios, sem abrir mão da contradição, que pudessem ajudar desde o jovem em formação que vai atuar na área, com repercussão naqueles que são atingidos dentro e fora da escola.

No futebol, nas categorias de base, trata-se ainda a descoberta de talentos com a ideia de que o garoto nasce sabendo jogar e o clube apenas lapida esse “diamante bruto”. Temos de avançar neste sentido. O próprio esporte de alto rendimento de outras modalidades já trabalha com uma lógica mais avançada, de que todos são capazes de aprender tudo, só que não no mesmo tempo e no mesmo ritmo.

No vôlei, as equipes juvenis e infantis às vezes têm uma média de altura superior ao grupo adulto nacional do momento, porque o critério de seleção tem sido o biotipo necessário para aquela modalidade, o mínimo de coordenação motora. O alvo é tornar aquela pessoa um grande atleta. E no futebol muitas vezes se convive com a questão do inato, do “nascer para aquilo”. É preciso estimular em crianças que se interessam pelo futebol outro tipo de questionamento, um ensinamento que provoque soluções para aquele jogo.

Na minha avaliação, o futebol tem sido muito maltratado nas escolas. Ele seria uma das possibilidades de mobilizar os interesses do aluno, inclusive, para outras experiências esportivas e educacionais. Acredito que estamos avançando, poderia ser mais rápido, mas temos possibilidades para viver melhor, aproveitando janelas como a realização da Copa.

O futebol enquanto conhecimento e experiência cultural precisa ser tematizado e problematizado de outra maneira na escola. O aluno tem o direito de aprender futebol, mais além do que apenas aprender a chutar bola.



'Maltratado' nas escolas, futebol deve ser compreendido de maneira mais ampla e plural pelos alunos que sonham em ser atletas profissionais

 

Universidade do Futebol – Na esteira do seu comentário, você é um otimista em relação ao que será feito em termos sociais e na construção de ferramentas de emancipação?

Sávio Assis – Meu otimismo é sempre proporcional à nossa capacidade de se organizar e reivindicar questões e tomar frentes. Para além da área de educação física e do esporte, precisamos apostar em uma organização do uso dos recursos, de direcionar o levantamento dos legados estruturais e, principalmente sociais. Essa é uma expectativa cujo otimismo está relacionado à população.

Temos de aproveitar os episódios para problematizar questões e tentar elevar o nível de consciência da população por vistas a uma perspectiva mais emancipatória. Acho que inclusive do ponto de vista da gestão pública, este deve ser o maior critério de avaliação.

Muitas vezes se compara quem construiu mais prédios, postos de saúde e escolas, que são dados importantes. Mas ao instalar uma escola, um posto de saúde, uma quadra poliesportiva, ou uma praça, em uma determinada comunidade, acontece um processo que faz com que aquele grupo eleve seu nível de consciência. E a relação com o político é de promessa cumprida, de papel feito enquanto gestor.

Ficaremos na dependência sempre de quem está à frente desse processo, dessa iniciativa, com participação e execução populares, e da própria comunidade beneficiada, por outro lado, que tem de cobrar tais projetos. Manter funcionando a estrutura e esse serviço é uma dificuldade. A melhor maneira de fazer isso acontecer, atendendo aos anseios da maioria, é uma participação da sociedade.

Dei o exemplo do clube de futebol ao qual sou vinculado. Muitas vezes enquanto torcedor você fica alheio ao que acontece no cotidiano da agremiação, aos desmandos dos dirigentes, e não se organiza para tomar, como sócio, o clube pelas mãos. Fazendo uma analogia, é necessário um papel na arquibancada e outro no campo político, debatendo, cobrando, etc. Tenho este tipo de postura e de perspectiva: é pelas saídas coletivas que conquistaremos coisas mais duradouras, independentemente do lugar e da situação. E a Copa do Mundo está aí, para ser vista e tratada mais do que como um mero evento passageiro.

 

Como desenvolver o projeto Copa do Mundo nas escolas 

 

Universidade do Futebol – No seu trabalho, você propõe a reinvenção do esporte, tema que foi mote de um livro produzido, inclusive. No Brasil, como você “reinventaria” o futebol, em se considerando todas as características particulares?

Sávio Assis – O termo “reinvenção” já procura trazer a ideia de que o esporte – e podemos contemplar o futebol – é invenção dos homens. Muitas vezes falamos em mudanças no esporte e parece ser impossível, como se ele não fosse uma produção humana. Como tal, podemos resgatar a dimensão humana das modalidades e tentar fazer diferente.

No caso do futebol, quando tenho oportunidade de tratar do tema, procuro abordar a ideia no plural: “futebóis”. Às vezes, no curso de Educação Física, pedimos para uma pessoa definir o que é futebol, e o aluno, ou mesmo o professor, acaba restringindo a modalidade às regras ou ao espaço do jogo profissional, que ele vê na TV. E sempre faço o contraponto: se futebol for apenas este da mídia, das regras, dos negócios e da profissionalização, à imagem e semelhança, ele não cabe nas escolas, visto que são raras as que têm um campo com medidas oficiais.

Pluralizar, fazendo um movimento que já é levantado por profissionais da pedagogia do esporte, é necessário, assim como entender o que dá identidade ao jogo do futebol e o que é possível mexer, mantendo-se o que é fundamental do jogo.

Não só no jogo em si, temos de abordar tudo o que envolve esse ambiente. O futebol é uma possibilidade de inserção no mercado de trabalho, mas não apenas como jogador. As crianças nas escolas precisam ter acesso às informações, sem a falsa promessa de que o esporte garante mobilidade social, mostrando o conjunto de suas possibilidades e das suas contradições. E não ficando preso a uma ideia de que o esporte é essencialmente bom e que ele não tem problemas e contradições.

Talvez a maior contradição seja dizer que esporte é saúde. Eu já fiz uma cirurgia no ombro e convivo com uma lesão de menisco por conta dos meus muitos anos de treino e jogo no voleibol. O esporte é saúde – mas pode também não ser.

“O esporte afasta das drogas” é uma promessa comum, mas ele também pode colocar o jovem em contato com elas; “esporte é alegria e confraternização”, mas também promove dramas em quem perde, ou delimita a observação de um jogo de Copa do Mundo, por exemplo, a cidadãos com maior capacidade financeira. Todas essas questões e possibilidades nos permitem pensar na reinvenção do esporte.

Além da forma de tratar determinadas questões. Alguns professores trabalham fundamentos do futebol de maneira diferente – um deles é o João Batista Freire. Contraponho com alguns colegas que atuam em ambiente de alto rendimento as experiências coletadas das atividades propostas por ele. E penso que na escola é que se encontram muitas das soluções e formas de fazer as quais têm muito mais a ver com o jogo profissional do que os nossos preparadores físicos realizam.

Acompanho alguns treinos do meu time e vejo atletas dando dribles em cones, que estão parados, obviamente. No jogo isso não se repetirá. Na escola, usamos um arco, ou uma brincadeira, para que o garoto conduza as bolas com os pés, mas de cabeça elevada, se situando no espaço, em busca da melhor solução, promovendo dificuldade ao marcador. É nesse plano que se situa a reinvenção que coloco. Ela vai desde a pluralização do futebol até a compreensão de tudo que está no entorno dele (debate sobre regras oficiais, informações desejadas pelo aluno, etc.).

Sempre trabalho com a ideia de que o professor precisa provocar o aluno a refletir. Se eu tenho um jogo em que cabem poucos, a pergunta é como eu faço para mais gente jogar. Esse processo deve se realizar a partir da interação entre as duas partes, e não de uma forma pronta e acabada. Tanto os professores em relação às grandes políticas, e os alunos em relação ao planejamento dos professores, são os piores executores daquilo que não gostaram e de que não participaram.



No vôlei, passar a bola para o outro não é uma necessidade do indivíduo, mas uma exigência do funcionamento do jogo; diferentemente do futebol

 

Universidade do Futebol – Como você vê, dentro do âmbito escolar e das próprias escolinhas de futebol, a possibilidade de instrumentalizar o futebol para integrar novos conhecimentos?

Sávio Assis – Acredito que isso seja não só possível, mas necessário. Também não podemos concordar que o aluno aprenda tudo sobre futebol, mas não aprenda a jogar. Fazemos essa inflexão, que vai de uma restrição a outra, quando se avalia muitas vezes os aprendizados motores do jovem, esquecendo regras, táticas, etc.

Agora, para alcançarmos este ponto, o professor ou a pessoa que estiver à frente do projeto tem de se envolver com as outras áreas e com as outras questões do espaço no qual ele estará atuando. Professor de Educação Física não pode mais ficar no quintal da escola: ele precisa estar envolvido com o conjunto da mesma, fazendo com que a escola olhe para as possibilidades da sua atividade de maneira diferente, além do senso comum.

Professor de Educação Física não é um mero organizador de eventos e festas. A identidade dele, antes de qualquer outra, é a de professor, assim como os professores de Matemática e o de Português têm as suas. O papel da escola na perspectiva de ampliar o repertório deve estar presente no ideal desse profissional. Ele aprende mais coisas e de maneira mais aprofundada.

Em um clube, a discussão é: o que o futebol, em particular, vai permitir de reflexão diferenciada em relação às outras situações? Muitas vezes elaboramos projetos de intervenção em uma comunidade através desse esporte e falamos de muitas promessas – tirar das ruas, afastar das drogas, etc. – como se fossem questões específicas do futebol ou de outra modalidade esportiva. E se você trocar o futebol por profissionalização, os argumentos vão ser os mesmos.

Muitas vezes se fazem muitas promessas em nome do esporte e do futebol como se fossem inerentes a eles essas condições, e não é. Sempre insisto também sobre o que é particular e próprio de cada modalidade que permite ajudar em uma reflexão mais ampliada além do aprendizado técnico e tático.

Por exemplo, no voleibol, passar a bola para o outro não é uma necessidade do indivíduo, mas uma exigência do funcionamento do jogo. Talvez este esporte não sirva tanto para trabalhar a ideia de compartilhar. Ele pode servir, sim, mais para aprendermos a compreender o erro – alguns autores já trabalharam essa ideia. A partir do saque, caso ninguém erre, o jogo pode se tornar monótono. A expectativa do rally em um jogo de vôlei é a iminência do ponto se confirmar.

Agora, futebol, basquete, handebol, eu não tenho a obrigação de passar a bola para o outro, com uma ou outra limitação da regra. Compartilhar, neste caso, tem de ser trabalhado sob a ótica da tática para ganhar o jogo, além da exploração do sentido de solidariedade e participação coletiva. O futebol tem elementos particulares que podem ser arrancados para uma reflexão mais específica, a partir do funcionamento das suas ações.

O conhecimento é isto: acesso e valores, além do uso social. Aprendo a ler e a escrever para me comunicar, por formas diversas. Aprender a jogar futebol tem de ultrapassar a fronteira dos aprendizados técnico e tático, mas eles também têm de ser compreendidos, para não irmos ao outro extremo.

A cada dia estou mais convencido de que todos podem aprender, ao seu tempo e ao seu ritmo específicos. Os alunos não são burros ou inteligentes, limitados ou superdotados – eles são diferentes. E temos de aprender a conviver com essas diferenças, preferencialmente fazendo com que os diferentes atuem no mesmo tempo e no mesmo espaço.

Algumas escolas, ainda hoje, fazem isso. Segmentando alunos melhores em classes A, B e C. Mas na hora de avaliar, a direção cobra todo mundo da mesma maneira, sem levar em conta os processos de aprendizado diferente, algo incoerente.

Há muito que se fazer, dentro e fora desse ambiente, aproveitando esse interesse que as crianças têm sobre o futebol. Não desmontando os sonhos delas, mas dando mais elementos para sonhar, sem ilusões, com algumas metas, partindo de uma realidade. E que no jogo de futebol a criança aprenda que o melhor para ela tem de ser o melhor também para os que estão ao lado.

É preciso também respeitar o outro, que não é um inimigo, mas um adversário temporário daquilo que eles elegeram como atividade para se reunir, aprender e viver uma das possibilidades da cidadania.

.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O futebol feminino não precisa de ajuda!

Por Erich Beting

“O futebol feminino não precisa de ajuda, mas de projeto.”

A ladainha continua a mesma desde 2004. A cada bom resultado da seleção brasileira, ou a cada eleição de Marta como melhor jogadora de futebol do mundo, uma reunião entre a nossa melhor representante da bola com o presidente da República, o pedido para que o futebol feminino tenha mais atenção do governo, da mídia e dos patrocinadores e por aí vai.

Este ano, com uma presidente da República, então, o cenário voltou a ser de promessas e de pedidos para resolução de problemas.

Afinal, como podemos nos conformar com a Marta atuando apenas dois ou três meses por aqui e o restante do ano nos EUA? Ou, pior, como é que só ela é capaz de ganhar dinheiro com o futebol feminino, enquanto nossas outras atletas praticamente pagam para jogar? E a mídia, que assiste a tudo isso e não dá a menor bola, não transmite jogos, não se interessa em mostrar o esporte?

Com tudo isso, fica impossível, obviamente, um patrocinador se interessar pela modalidade, e aí temos o círculo vicioso que tanto atrapalha o crescimento do futebol feminino no Brasil.

O discurso, porém, já virou mais choradeira do que, de fato, algo prático e efetivo para melhorar a situação do futebol das mulheres no Brasil.

O futebol feminino não precisa de ajuda, mas de projeto. Enquanto não se trabalhar para sairmos do discurso e irmos para a formatação de um plano de melhora do esporte no Brasil, nada vai mudar.

E isso passa, necessariamente, pela revisão da alta gerência do esporte, que faz com que a modalidade seja gerenciada pela CBF, a Confederação Brasileira de Futebol, entidade que já cuida da seleção masculina, das categorias de base e, ainda, do Campeonato Brasileiro das Séries A, B, C e D e da Copa Kia do Brasil.

Esse é o cenário que prejudica, e muito, o desenvolvimento do futebol feminino. A CBF está ocupada demais com outros projetos mais consolidados e rentáveis do que se esforçar em crescer a modalidade.

Não é por acaso que a situação falimentar das mulheres é muito diferente daquela vivida no futsal e no futebol de areia, que têm seus campeonatos mundiais controlados pela Fifa, mas que possuem, aqui no Brasil, entidades que funcionam sem depender da CBF.

O primeiro passo que o futebol feminino precisa dar no Brasil é de independência. Só assim as mulheres conseguirão deixar de depender da boa vontade alheia para desenvolver suas competições.

O potencial de crescimento existe. A mídia adora falar sobre o tema, os patrocinadores gostam daquilo que tem exposição na mídia, jogadoras de qualidade surgem em bom número por aqui. O que precisa, agora, é arregaçar as mangas e, em vez de buscar toda hora o microfone para reclamar, trabalhar para mudar a realidade. Esse é, sem dúvida, o passo mais difícil de ser dado.

.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Federação Piauiense insere o futebol feminino em seu calendário

Confirmado o I Campeonato Piauiense de Futebol

A confirmação do I Campeonato Piauiense de Futebol Feminino foi a grande novidade apresentada pelo Diretor de Futebol Amador da FFP, Coronel Ferreira Filho, por ocasião do pré-Arbitral realizado na noite desta terça-feira (25), na sede da Federação de Futebol do Piauí. Além do certame feminino, o V Campeonato Piauiense de Futebol Sub-18 também será jogado neste primeiro semestre.

A reunião foi bastante concorrida, e, de forma relativamente informal, tratou das competições femininas e das categorias de base. Estiveram presentes representantes do Tiradentes (Coronel José Pereira), Fluminense (Adalberto Rolim), Piauí (Reinaldo Ferreira), José de Freitas (Fernando Freitas), Auto Esporte (Durval Martins), SEP (Ilza Amorim e Auricleide Maria), 4 de Julho (Tonhão), River (Evaldo Carvalho), Flamengo (Valter Maranhão), 7 Cidades (Dílson Trindade), Krac (Biro Biro), Barras (Reinaldo Barros) e Caiçara (Antônio das Neves). 

Todos os representantes falaram sobre os temas em pauta, bem como Ferreira Filho, que conduziu a reunião, e o vice-presidente da FFP, Sergil Araújo. Ferreira Filho confirmou que já está no calendário de eventos do 1° semestre o Campeonato Piauiense de Futebol Feminino e o Campeonato Piauiense Sub-18. Este último, sempre jogado no segundo semestre, será antecipado para proporcionar ao representante do Estado na Copa SP de Futebol Júnior maior tempo para preparação. 

 

Dirigentes compareceram em massa à primeira reunião que começou a traçar o planejamento do futebol amador piauiense para 2011 (Foto: Severino Filho). 

O segundo semestre também será recheado de competições, dentre elas dois interestaduais – a Copa Teresina de Futebol Feminino e a Copa Teresina de Futebol Sub-18. Ainda nesta semana a FFP irá confirmar as datas do Conselho Arbitral que irá tratar, em horários diferentes, do futebol feminino e do certame sub-18. 

O novo diretor de futebol amador da FFP, ao final da reunião, afirmou ainda que não vai medir esforços para tentar fazer o melhor pelo futebol amador piauiense. 

Fonte: acessepiaui.com.br

.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A melhor do mundo pede apoio para a modalidade à presidente Dilma

Marta pede apoio e faz convite a Dilma

Eleita a melhor jogadora do mundo por cinco vezes, Marta pediu à presidente atenção ao futebol feminino e a convidou para o Mundial da Alemanha

Marta e a presidente Dilma Rousseff: pedido de incentivo ao futebol feminino

Marta e a presidente Dilma Rousseff: pedido de incentivo ao futebol feminino (Antonio Cruz/Agência Brasil)

A presidente Dilma Rousseff recebeu nesta segunda-feira, em seu gabinete, no Planalto, a jogadora Marta, eleita cinco vezes melhor no mundo, que lhe deu de presente uma camiseta do Santos. Marta pediu a Dilma "maior apoio" e "mais atenção" ao futebol feminino no País e convidou a presidente para ir, em junho, na Alemanha, assistir à Copa do Mundo de Futebol Feminino.

 

A presidente não confirmou se irá à Alemanha, mas prometeu estudar a possibilidade, depois de explicar que estará nessa data na Rússia.

 

Marta tem contrato com o Santos até fevereiro e disse que poderá jogar, depois dessa data, por times da Suécia ou dos Estados Unidos, embora ressalve que "é o sonho de toda jogadora jogar no seu país". O presidente do Santos, Luiz Álvaro, que acompanhava Marta, disse que o clube está tentando manter a jogadora na equipe, pelo menos, até junho.

 

(Com Agência Estado)

.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Futebol feminino nos Estados Unidos: a qualidade que vem da quantidade

Período entre fim e início de ano marca profusão de torneios de recrutamento de jogadoras; técnicos universitários realizam várias observações e contatos

Helio D'Anna

A época de fim de ano nos Estados Unidos traz os feriados, férias, e muito futebol feminino. Pelo menos nos estados de clima mais quente. Por exemplo, nas duas ultimas semanas de dezembro e primeira semana de janeiro, o Estado da Florida se torna a capital do recrutamento do futebol feminino no país.

A se começar por Sanford, próximo a Orlando, técnicos universitários de todas as partes dos EUA vêem assistir jovens garotas que disputam o torneio de clubes de elite do futebol feminino. A ECNL (Elite Clubs National League - http://www.eliteclubsnationalleague.com/) é uma liga nova criada há dois anos e possui clubes para garotas das idades de 14 a 19 anos de todas as partes dos EUA e também do Canadá.

O nível é altíssimo, e jovens garotas com futuro promissor junto à seleção norte-americana disputam esse evento. A iniciativa “showcase” de inverno acontece de 27 a 29 de dezembro. Quase mil jogadoras de elite disputam esse torneio anualmente, dando oportunidade a centenas de técnicos universitários efetuarem o recrutamento para as suas respectivas equipes.

Quase ao mesmo tempo, há também um torneio de tradição internacional que acontece em Weston, próximo a Miami. O Orange Classic (http://theorangeclassic.com/) existe há nove anos e reúne mais de 300 clubes e mais de quatro mil e quinhentas meninas de 9 a 19 anos. Por volta de 250 técnicos universitários assistem a esse torneio que vai de 27 a 30 de dezembro e é disputado em vários complexos próximos uns aos outros e com dezenas de campos cada.

Os técnicos recebem um “livro” com informações das meninas e vão assistindo aos jogos, deslocando-se de campo a campo e fazendo anotações sobre as meninas que impressionam. Em 2010, houve clubes dos EUA, Canadá e Noruega que participaram no Orange Classic.

É muito comum ver técnicos universitários que se deslocam do torneio ECNL ao Orange durante esses dias, tentando cobrir o maior número de jogos.

Para quem acha que estamos de férias nesses dias, logo na data seguinte do término do Orange Classic, começa o Disney Showcase, em Orlando (http://espnwwos.disney.go.com/events/soccer/soccer-showcase-girls/). Este evento tambem é de âmbito internacional e de elite, e vai do dia 31 de dezembro ao dia 3 de janeiro. Na edição mais recente, mais de 250 times com meninas de 15 a 19 anos foram inscritos.

Novamente, times dos EUA inteiro, Canadá e até do Japão participaram. O evento é patrocinado pelo Chelsea Football Club, em parceria com a Adidas. No ano passado, foram mais de 500 técnicos universitários que se desdobraram para cobrir os mais de 30 campos do complexo principal. Aliás, o complexo principal que baseia o evento é o ESPN Wide World of Sports (http://espnwwos.disney.go.com/sports/soccer/), que é de dar inveja a qualquer clube de elite do mundo (não é a toa que o Chelsea escolheu esse complexo).

Posso dizer ao leitor que eu passei todos esses dias assistindo às meninas por volta de oito a 10 horas por dia e não consegui cobrir todos os jogos que eu quis. O interessante desses torneios é que as jogadoras recebem a lista dos técnicos que estarão presentes, e elas já mandam e-mails demonstrando interesse pelas respectivas universidades. Assim, podemos ter pelo menos um início de plano de quem assistir.

Mas a conclusão final é que é fácil compreender como os EUA têm uma seleção tão forte: de tanta quantidade de meninas jogando, fica fácil se tirar a qualidade.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Entrevista: O desafio do futebol feminino no Brasil

Luana Paula Silva, educadora física
Especialista em futebol feminino relembra passagem pelo Santos e discute pontos da modalidade
Bruno Camarão

Ao longo do tempo, nas mais variadas profissões e funções, as mulheres brasileiras passam a ganhar o espaço comumente ocupado por homens. Diferenças salariais em relação ao sexo oposto e um olhar receoso da sociedade civil como um todo, entretanto, são situações componentes nesse trajeto que tem muito a evoluir. E o futebol feminino não teria motivos para se situar fora desse processo.

Um agravante complementa o âmbito do esporte coletivo mais popular do mundo: o perfil tradicionalesco e machista dentro dos principais clubes do país, ainda reticentes com a ideia de abrir brecha para elas, e na crônica particular, repleta de ex-representantes desse setor.

Quem milita na modalidade há alguns anos tem consciência das adversidades e do trabalho árduo para bancar algumas apostas e cuidar de um projeto com atletas cujas características são bem mais peculiares do que as presentes no ambiente de chuteiras masculinas.

É o caso de Luana Paula Física. Licenciada em Educação Física e com Bacharelado em Treinamento Desportivo, ela realiza há cinco anos pesquisas nas áreas de saúde e esporte, com foco específico no futebol feminino. Ex-estagiária de Kleiton Lima, principal treinador da modalidade no País, ela passou pela comissão técnica das Sereias da Vila e coordenou as escolinhas de futebol para jovens meninas no Santos.

“Foram experiências incríveis. Na equipe profissional aprendi a trabalhar com Esporte de Alto Rendimento, minha grande paixão, e na escolinha consegui plantar sementes de talentos para um futuro próximo. Essas meninas ‘atletas’ já estão se destacando”, revela Luana, nesta entrevista à Universidade do Futebol.

Entre diversos temas relacionados à área em que milita, a profissional traça uma linha ascendente do jogo feminino no território nacional, relacionado-a à integração entre educadores físicos, instituições de ensino e mídia. Mas com a clara designação de que ainda muito trabalho deve ser realizado, especialmente em se considerando a formação de novas jogadoras.

“No departamento feminino [do Santos], a detecção de talento ocorre através de peneiras anuais e indicações de técnicos, em que a atleta é encaminhada ao clube para passar por uma a duas semanas de avaliação com o grupo profissional das Sereias da Vila. Infelizmente, os clubes no País ainda não possuem categorias de base feminina, e sendo assim, para não perder o talento, o treinador retém a atleta e a deixa treinando com o grupo das meninas mais velhas”, explica.



Luana com as atletas da escolinha de futebol feminino do Santos: educação, base técnico e frutos colhidos


Universidade do Futebol – Qual a sua formação acadêmica e como foi construída sua trajetória dentro do futebol?

Luana Paula Silva – Possuo o grau de Licenciatura em Educação Física e Bacharelado com Habilitação em Treinamento Desportivo concluído em 2006 na Universidade Metropolitana de Santos – FEFIS. Desde 2007 realizo pesquisas nas áreas de saúde e esporte, com maior enfoque no futebol, e em especial, o futebol feminino.

A convite do Prof. Dr. Roberto Fernandes da Costa, diretor do Centro de Estudo e Pesquisa Sanny (CEPS), em novembro de 2009 até hoje, participo do grupo de estudo na área de Avaliação da Aptidão Física Morfológica e Funcional. Estou muito focada nas pesquisas devido à grande vontade de ingressar no Mestrado.

Em 2008 fui convidada pelos “coachs” (treinadores) Marcia Oliveira e Francisco Cardoso para trabalhar na comissão técnica na função de preparadora física do grupo selecionado americano American Soccer Club and Galactics, equipe de futebol feminino sub-20, em que o principal objetivo era disputar jogos e amistosos em Santiago, do Chile, durante a realização do Mundial da Fifa de futebol feminino da categoria.

Em 2007, recém formada, após o término do estágio efetivo de dois anos, no Departamento de Esportes do SESC Santos, enviei um email para o Kleiton Lima, então treinador do Santos Futebol Clube, pedindo uma oportunidade para trabalhar na área de preparação física. A ideia surgiu devido ao fato de sempre ter sonhado em trabalhar com a modalidade e na área que sempre fui apaixonada desde atleta, que é a preparação física, pois a considero importantíssima para o nível de excelência dos atletas.

Para minha surpresa, recebi uma resposta e o convite para ser estagiária. Graças à oportunidade que me deu, estou conseguindo alcançar minhas metas profissionais e pessoais. 

Em agosto do mesmo ano realizei com o treinador de goleiras, Ricardo Navarro, um estudo com as atletas do Santos sobre o Perfil Antropométrico de Mulheres Praticantes de Futebol Feminino Profissional, estudo inédito no Brasil, e conseguimos publicar em uma revista científica eletrônica dos Estados Unidos, chamada Connexions. Este estudo virou referência em diversas teses de conclusão de curso universitárias, pois bem sabemos que é mínimo o número de estudos voltados para a modalidade no Brasil, assim como artigos e livros.

Em 2008, tivemos o convite para palestrar sobre o tema a convite do professor de Educação Física e treinador da equipe de Futsal Feminino na cidade de Pirassununga, e o evento foi um sucesso.

No início daquele ano também havia sido lançado o projeto da Escola de Futebol Feminino Sereias da Vila, e fui convocada para ser professora da escola pioneira na região, a do Santos Futebol Clube; infelizmente, depois de oito meses, tive que deixar o projeto, devido à baixa remuneração proporcionada. Sempre ajudei no sustento de minha família, e não pude dar sequência neste trabalho que tanto desejei.



"Para mim, o mais importante é a formação do cidadão, independentemente se ela será profissional da bola ou não".

 

Universidade do Futebol – Quando surgiu a sua relação “emocional” com o futebol?

Luana Paula Silva – Minha paixão pelo futebol surgiu desde criança, comecei a jogar bola com os meninos na praia e na escola, e sempre era motivo de gozação entre as colegas que me chamavam de “maria moleque” da turma. Aos 10 anos, em 1995, começou a ter um movimento de futebol feminino profissional em Santos.

Sempre que eu conseguia, assistia às entrevistas na TV, e o treinador da modalidade na época do Santos era o Manoel Maria, ex-jogador do próprio clube. Certo dia, resolvi ligar para o Santos e tentei falar com ele – recebi bastante apoio para seguir na luta pelo meu sonho em ser atleta. Mas ele me dizia que a idade para tentar uma chance na equipe seria 15 anos.

Em 1997, já com 12 para 13, anos resolvi ligar novamente para o Manoel, e ele me informou que o clube iria fazer uma Escolinha de Futebol de Campo Feminino, e o responsável seria o atual treinador da seleção brasileira de futebol feminino, Kleiton Lima; na época, o Kleiton era estagiário do Manoel Maria e seria o responsável pelo projeto de iniciação. A partir daí minha vida começou a mudar e descobri que minha vocação estava na modalidade.

Eu não faltava em nenhuma aula, e muitas vezes o castigo que minha mãe dava, por alguma rebeldia em casa ou na escola, era suspender os treinos, pois sabia que essa era minha grande paixão. Em 1998, o grande sonho teve um fim, pois o campo em que treinávamos foi vendido e hoje é um shopping center.

Claro que não desisti! No mesmo ano, realizei um teste no Clube de Regatas Santista (futebol de salão), levada por uma amiga. A treinadora não acreditou muito que eu pudesse jogar bem, pois era muito franzina. Fiz o teste, passei e entrei na equipe que iria disputar a Taça Regional da categoria infantil, organizada pela Liga Regional de Futebol de Salão do Litoral Paulista.

Joguei ainda em diversas equipes de futebol de salão: Clube de Regatas Santista (1998), Atlético Santista (2000), Atlanta (2001), Estrela Futsal Feminino (2003 a 2006) e por último representei a Escola Lupi Picasso em 2007.

Encerrei minha carreira desportiva, pois precisava trabalhar para ajudar no sustento de minha família e pagar meus estudos. Hoje, posso dizer que sou muito mais realizada como profissional do futebol feminino, pois posso ajudar, através de pesquisas científicas, profissionais e estudantes da área, além de poder fazer indicações de atletas a clubes.

Isso tudo está sendo a realização de um grande sonho, maior do que tudo que sonhei, além de ser um trabalho social fantástico: posicionar jovens no caminho do esporte e educação é muito importante para o futuro do nosso Brasil. Para mim, o mais importante é a formação do cidadão, independentemente se ela será profissional da bola ou não.

Universidade do Futebol – Você participou da comissão técnica principal das Sereias da Vila, bem como ministrou aulas nas Escolinhas de Futebol para mulheres, fundada por você. Poderia contar com mais detalhes ambas as experiências?

Luana Paula Silva – Foram experiências incríveis. Na equipe profissional aprendi a trabalhar com Esporte de Alto Rendimento, minha grande paixão, e na Escolinha consegui plantar sementes de talentos para um futuro próximo. Essas meninas “atletas” já estão se destacando. A exemplo disso, temos: a ex-aluna da Escola Sereias da Vila, Kethelen, de 14 anos, que mora na cidade de Cubatão, estudante e atleta do Colégio Objetivo SV/SP, conseguiu 100% de bolsa pelo seu alto potencial no futsal.

Ela foi aluna desde o início da Escolinha Sereias da Vila, e sua escola foi bi-campeã da Copa TV Tribuna de Futsal Escolar em Santos; outro exemplo é a aluna Andreza, 16 anos, da mesma cidade de Kethelen. Ela também iniciou na Escola e em dezembro a indiquei para fazer um teste na equipe de futsal do SFC e ela foi escolhida para fazer parte da equipe em diversas competições de 2011, inclusive Jogos Abertos do Interior, um dos mais importantes da região.

Torço para que vejamos muitas dessas meninas, se destacando, seja como atleta ou cidadã. Tenho certeza de que me dediquei ao máximo em ambos os trabalhos.

Universidade do Futebol – Qual a avaliação que você faz do desenvolvimento da modalidade dentro do Santos, em especial, de 1997, quando foi montada a primeira equipe feminina, até hoje?

Luana Paula Silva Muita coisa mudou e acredito que foi para melhor. Quando criança, tive a oportunidade de acompanhar a carreira de algumas atletas profissionais do Santos, em 1997. A situação era muito difícil, não havia muitos patrocinadores, e elas passavam por muitas necessidades, muitas não estudavam, poucas tinham o segundo grau. Hoje a realidade é diferente, e desde 2007 as coisas evoluíram demais. As atletas conseguiram bolsas universitárias, melhores condições de vida e acredito que o apoio da Prefeitura Municipal de Santos, a mídia e pessoas comprometidas com o futebol feminino no Santos Futebol Clube, colaboraram para todo esse sucesso que a equipe das Sereias da Vila tem atualmente.

A infância é entendida como um período de grande importância para o desenvolvimento motor, sobretudo porque é nesta fase que ocorrem o desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais que servem de base para o desenvolvimento das habilidades motoras especializadas que o indivíduo utilizará nas suas atividades cotidianas, de lazer ou esportivas.



Carência entre os departamentos de futebol brasileiros, trabalho na base com as meninas compõe a trajetória de Luana 

 

Universidade do Futebol – Qual a especificidade do seu trabalho com jovens meninas?

Luana Paula Silva  
O trabalho de base é primordial para que seja lançada no futuro uma atleta de excelência. Segundo algumas pesquisas consultadas, a média para a revelação de um atleta são 10 anos de treinamento e investimento. O profissional deve ser capacitado para a área em que atua, sendo um verdadeiro conhecedor dos detalhes do movimento corporal da modalidade, no caso específico, o futebol feminino, e desenvolver nos seus planos de aulas capacidades físicas e coordenativas, respeitando a faixa etária do grupo. Sendo assim, o aluno “atleta” estará tendo uma educação corporal, de forma global (lateralidade, coordenação motora geral e específica, parte técnica, tática, etc.).

Esses trabalhos supostamente devem ser englobados junto às aulas de Educação Física Escolar, mas infelizmente não é o que ocorre em alguns sistemas de ensino. Muitas alunas chegam sem conseguir realizar um movimento coordenativo proposto. Sem restrição de idade, isso varia de crianças, adolescentes e muitas vezes até adultas.

Lembro-me, quando realizei alguns treinamentos de coordenação motora geral, e um dos exercícios era realizar um rolamento “cambalhota”, e duas atletas adultas da Escola de Futebol não conseguiram, mesmo auxiliando-as. Isso se deve ao trabalho de base que foi ineficiente. O profissional de Educação Física é muito importante neste processo, e devemos nos dedicar cada vez mais, para que nossas crianças consigam desenvolver ao máximo suas habilidades motoras. Isso fará muita diferença no futuro das mesmas, tornando a prática do lazer e esporte muito mais agradável, com auto-estima e menos constrangedora perante seus amigos.

Quanto aos aspectos metodológicos que devem ser adotados pelos professores de Educação Física, duas posições diferentes podem ser observadas na área, segundo Faria Júnior (1995) e Altman (1998). Faria Júnior (1995) entende que a prática do futebol como desporto de equipe pode atuar como meio eficaz de ensinar aos jovens a tolerância e aceitação das diferenças individuais e, para isto, propõe uma série de procedimentos dos professores de Educação Física:

• Dividir os alunos em grupos equilibrados em relação às habilidades motoras, força e velocidade, e para os jogos, designar quem tem mais habilidade, força ou velocidade, para marcar quem é mais habilidoso, forte ou veloz da outra equipe.

• Modificar as regras de tal forma que dois sucessivos chutes a gol não possam ser dados por jogadores do mesmo gênero. Cada tentativa a gol terá uma intervenção precedente do jogador de outro gênero (o menino passa a bola e a menina tenta a finalização a gol, ou vice-versa).

• Evitar situações, como: relacionar as meninas por último, escolher apenas os meninos para fazer demonstrações, designar apenas os meninos para capitão da equipe, dirigir atenções preferencialmente a eles. Evitar piadas e linguagens com conotações sexistas, por exemplo, marcação homem-homem em jogo de mulheres.

• Utilizar estratégias de modelação, mostrando fotos e desempenho de jogadoras de futebol.

Universidade do Futebol – No Brasil, são poucas as linhas de pesquisa científica para identificação de talentos esportivos no próprio futebol masculino. De que maneira o Santos, onde você atuou, trabalha em seu departamento de formação a detecção de jovens com potencial para se tornarem atletas profissionais?

Luana Paula Silva  O Santos Futebol Clube, assim como a maioria dos clubes no Brasil, não possui um departamento científico para detecção de talentos. Situação diferente do futebol masculino, que possui olheiros que viajam e caçam talentos para o clube, assim como aceitam indicações de alguns empresários que levam atletas, muitas vezes crianças e adolescentes com alto potencial, para se tornarem um profissional, como é o caso de Neymar, Robinho, etc.

No departamento feminino, a detecção de talento é identificada através de peneiras anuais, e através de indicações de técnicos, em que a atleta é encaminhada ao clube para passar por uma a duas semanas de avaliação com o grupo profissional das Sereias da Vila. Infelizmente, os clubes no País ainda não possuem categorias de base feminina, e sendo assim, para não perder o talento, o treinador retém a atleta e a deixa treinando com o grupo das meninas mais velhas (profissional).

Universidade do Futebol – Você desenvolveu ao lado do Ricardo Felipe Navarro Passos, treinador de goleiras das Sereias da Vila, um estudo que traçou o perfil antropométrico de mulheres praticantes de futebol feminino profissional. Poderia discorrer sobre a metodologia e os resultados?

Luana Paula Silva  Foram avaliadas 24 atletas profissionais da equipe de futebol feminino do Santos Futebol Clube – Fundação Pró Esporte, prática aplicada durante a fase semifinal do Campeonato Paulista de Futebol Feminino 2007. Foram realizadas as seguintes análises antropométricas: estatura, espessura de dobra cutânea (triciptal, subescapular, supra-ilíaca e abdômen) e massa corporal total. A aplicação contou com a colaboração da coordenadora e do treinador da equipe. E a avaliação foi realizada no tempo disponível das atletas, onde foram liberadas de treinamentos físicos e táticos durante o dia, para que tivéssemos uma maior eficácia da pesquisa aplicada.

A partir das medidas obtidas, foram calculados diversos parâmetros, sendo considerado na presente análise: o percentual de gordura corporal (%G) obtido a partir da estimativa da densidade corporal, a massa corporal magra (massa corporal total – massa corporal de gordura kg), e o índice de massa corporal (IMC – massa corporal total/estatura2, kg/m2). Utilizou-se uma balança digital da marca Toledo com estadiomêtro, e um adipômetro da marca Sanny, para determinar a massa corporal total.

A estimativa da gordura corporal das atletas foi realizada a partir da estimativa da densidade corporal obtida pela equação de Faulkner apud Carnaval (1995) protocolo de quatro dobras, citada acima; este teste foi desenvolvido para nadadores, e resolvi adaptá-lo para atletas de futebol feminino, pois não consegui encontrar protocolo específico para modalidade e essa ideia partiu do conceito de que as atletas que praticam a modalidade trabalham muito menos as musculaturas envolvidas no protocolo de Faulkner e isso faz com que haja um maior acúmulo de gordura nessas regiões.

Assim, com os resultados, podemos analisar o perfil antropométrico de cada jogadora em sua respectiva posição tática. Este estudo se torna muito importante para a detecção de jovens talentos do futebol feminino brasileiro, pois foram analisadas as atletas que são elites do atual futebol feminino no Brasil, apesar de serem do Estado de São Paulo.

A partir deste estudo, podemos continuar as investigações e analisar para futuras pesquisas a importância do trabalho físico, extracampo, no caso: a musculação, pilates, alongamento, etc.
 


Perfil antropométrico de mulheres praticantes de futebol feminino profissional 

 

Universidade do Futebol – Qual a real importância dessas aplicações no auxílio para o rendimento da atleta nas competições? 

Luana Paula Silva  Acredito que o corpo deve ser estimulado de maneira global. Quanto menos gordura a atleta tiver, maior será seu rendimento em determinados posicionamento táticos. Principalmente para obter sucesso no futebol, que é um esporte intermitente.

Em termos de resultado, a massa corporal total das atletas, quando expressa em kg, obteve diferença estatisticamente significativa. Observaram-se menor quantidade de gordura corporal (%G) e maior quantidade de massa corporal magra nas atletas.

De acordo com o protocolo de Lohman (1992) que sugere um percentual de gordura corporal ideal para mulheres de 12% a 16%, as atletas se encontram dentro do (%G) atual, ideal para a população. Pelo fato de as atletas serem constituídas de alto nível, composta por jovens e realizarem treinamentos em dois períodos diários de segunda a sexta, já apresentam resposta adaptada do metabolismo lipídeo na produção energética ao treinamento. Essa adaptação causa forte impacto na composição corporal das atletas e pode ser determinado o percentual de gordura (%G) significativamente baixo.

Universidade do Futebol – O futebol feminino ainda encontra dificuldades para expandir-se e atingir a grande mídia. Você acredita que a falta de planejamento e estrutura das equipes faz com que as atletas não tenham um bom preparo físico, e com isso não tenham um bom rendimento, dificultando ainda mais a ascensão do esporte? Como evoluir diante desse cenário?

Luana Paula Silva  O futebol feminino teve um grande avanço de 1997 até hoje, pois ainda não atingimos o planejamento ideal para que as atletas possam ter um excelente rendimento físico nas competições. Os calendários das disputas são muito rígidos, muito próximos uns dos outros, fazendo com que as atletas não tenham tempo de descanso, que é essencial e também faz parte do treinamento, para que se tenham a parte psicológica e física com musculatura forte e saudável, além de evitar lesões precoces.

A exemplo disso, temos o jogo da final do Torneio Cidade de São Paulo 2010, entre Brasil e Canadá, quando a maioria das atletas estavam nas competições da temporada do País, muitas delas fizeram quase 60 jogos no ano e já deveriam estar de férias em “repouso”, para ter um bom rendimento em 2011. Conclusão: o que vimos foi uma série de lesões e jogadoras jogando no “sacrifício”, como foi o caso da Marta, que veio da temporada americana, e Formiga. E no geral, toda a equipe estava prejudicada.

Para que obtenhamos um sucesso na modalidade é preciso pensar no todo, e não somente no volume de competições. É necessário um calendário propício para que as atletas possam realizar os treinamentos e possam se preparar cada vez mais e melhor com qualidade. Sendo assim, os resultados positivos serão maiores para ambas as partes. E também é preciso que haja uma lei que incentive o futebol feminino nas escolas, assim como acontece com a Educação Física. Só assim daremos o devido valor para as meninas que em fase escolar mostram um grande talento para o esporte.

É preciso a união de todos que gostam da modalidade. Assim como o Santos Futebol Clube mostra um trabalho que serve de “vitrine” para outros clubes, estes também devem incentivar a modalidade e criar um departamento de futebol feminino em suas estruturas. Torço muito para que daqui uns anos possamos ver jogos entre São Paulo, Corinthians, Flamengo, etc. Com o investimento, consegue-se atrair a mídia, e consequentemente, os torcedores.

Futebol feminino é um jogo de futebol verdadeiramente brasileiro. Podemos ver habilidade, velocidade, garra e muita vontade sem violência nas jogadas, através das nossas guerreiras e todos os profissionais que se envolvem no esporte. O amor fala em primeiro lugar; o dinheiro é só uma consequência de todo o trabalho. Tenho certeza de que jogos de futebol feminino nos principais estádios brasileiros atrairão muito público, famílias – e melhor, com paz nos estádios –, pois é disso que estamos precisando no futebol.

Prova disso, tivemos o último jogo da final do Torneio Cidade de São Paulo com quase 18.000 mil torcedores, com camisas de vários times, e sem violência alguma, o que é mais importante.
 


 

Universidade do Futebol – É possível pensar efetivamente em rendimento técnico desportivo para a mulher no futebol, levando em conta suas especificidades fisiológicas, psicológicas, sociais e culturais?

Luana Paula Silva  Sim. A mulher não tem limites no esporte, e se fizermos uma busca pela história da introdução da mulher no futebol, desde a Era Getúlio Vargas, ela comprova que já superamos muitas barreiras, desde opiniões machistas e preconceituosas, como mostra a carta de um cidadão, no período da Ditadura no Brasil, até os dias de hoje.

Carta de um cidadão a Gétulio Vargas

Venho, solicitar a clarividente atenção de V.Ex. para que seja conjurada uma calamidade que está prestes a desabar em cima da juventude feminina do Brasil. Refiro-me, Sr. Presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar esse esporte violento, sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido a natureza que dispoz a ser mãe... Ao que dizem os jornais, no Rio, já estão formados, nada menos de dez quadros femininos. Em S. Paulo e Belo Horizonte também já estão constituindo-se outros. E, neste crescendo, dentro de um ano, é provável que, em todo o Brasil, estejam organizados uns 200 clubes feminino de futebol, ou seja: 200 núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras mães que, além do mais, ficarão presas de uma mentalidade depressiva e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes.

(José Fuzieira, em carta datada de 25/04/1940 e repercutida pela imprensa)

De acordo com um estudo consultado de Eriberto Lessa Moura, ele avança até nossos tempos, quando equipes como o Radar começaram a se destacar nos anos de 1980, e traz um estudo de caso sobre o time de futebol feminino do Guarani, de Campinas, formado em 1983 e extinto em 1985. Campeãs da Liga Campineira, as meninas participaram de amistosos internacionais e de preliminares do Campeonato Brasileiro masculino com transmissões pela televisão. As jogadoras tinham noção do preconceito:

“Elas afirmam que hoje seria bem mais fácil jogar. Antes, além do estereótipo da homossexualidade, havia o próprio papel da mulher na sociedade. Quando uma delas errava um chute, um fulano na arquibancada logo mandava ela ir para o fogão”, conta.

De fato, hoje, o pai já matricula a filha nas aulas de futebol e torce por ela no estádio. Mas prevalece algum preconceito nas unidades de ensino, onde não existe orientação pedagógica. “As equipes e mesmo as seleções são um catado de jogadoras, os campeonatos são casuais. As melhores atletas acabam na liga americana”, crítica Moura. E, mesmo havendo mudança de postura, ela vem com atraso: “Nossas meninas começaram a treinar com 10 ou 11 anos, não tiveram aquele estímulo e a bagagem que os meninos trazem desde os 5 anos.”

Estimativas atuais revelam que aproximadamente 15 milhões de mulheres praticam o futebol nos Estados Unidos, justamente em função do incentivo nas escolas. Se aqui dizemos que futebol é coisa de homem, lá é coisa de mulher, literalmente. O que não significa que a sociedade americana seja menos machista, mesmo porque as mulheres não têm vez no futebol americano ou no beisebol, onde se realizam apenas na torcida com seus pompons ou como namoradas dos jogadores.

“Esses dois esportes são símbolos de poder e masculinidade. Depois dos atentados de 11 de Setembro, George Bush anunciou o contra-ataque vestindo uniforme de beisebol: avisou que ia dar a tacada”, ilustra Moura, porém recorrendo ao simbolismo também para mostrar que o futebol feminino nos EUA está longe de ser menosprezado.

“A final do Mundial Feminino de 1996, contra a China, aconteceu num 4 de julho, com 100 mil pessoas no estádio, e quem entregou o troféu às campeãs americanas foi Bill Clinton. Na final da Copa do Mundo de 1994, quem entregou o troféu ao Dunga foi o vice Al Gore”.



"Futebol feminino é um jogo de futebol verdadeiramente brasileiro. Podemos ver habilidade, velocidade, garra e muita vontade sem violência nas jogadas".
 

Universidade do Futebol – Em se considerando os aspectos anatômico-fisiológicos característicos da mulher em comparação ao homem (menor estatura média, maturação mais rápida do esqueleto, ossatura mais fina, maior percentual de gordura corporal, diferenças do metabolismo, menor massa muscular, etc.), quais padrões de planejamento técnico, tático e físico devem ser traçados para respeitar essas peculiaridades?

Luana Paula Silva  O futebol, desde o ponto de vista biológico, é um esporte desafiante. Devido aos altos níveis exigidos dos metabolismos aeróbio e anaeróbio, aliados a uma necessidade de coordenação e controle motor muito finos, o futebol é altamente complexo e excitante para o professor de Educação Física que tem como missão orientar esta prática. E em segundo plano, mas não menos importante, é requisito importante para a boa prática do futebol uma busca equilibrada do condicionamento de força e flexibilidade.

As diferenças biológicas básicas em comparação com homens, a partir da prática do futebol por mulheres que necessitam baixos percentuais de gordura, podem ser definidas pela dominada “tríade da atleta feminina”: descontrole de alimentação, amenorréia e osteoporose (Kohrt, 2004). Estes três componentes estão intimamente ligados entre si, um influenciando ao outro, e devem ser considerados em conjunto pelo professor de Educação Física que trabalha com mulheres jogadoras de futebol.

Universidade do Futebol – A ação motora desportiva feminina possui outro tempo de execução e outra performance, quando comparada com a masculina. De que maneira se realiza o processo de explicitação e conscientização da equipe para este fato?

Luana Paula Silva  Os treinamentos técnicos devem ser aplicados às atletas com muita atenção por parte dos professores. A orientação em relação aos fundamentos necessários, para que todas tenham uma excelente performance técnica e tática nos jogos, é primordial. A mulher tem o nível de força inferior ao dos homens. geralmente a potência dos chutes e passes dela são menores quando comparadas ao futebol masculino.

Hoje, contamos com a ajuda extracampo, no caso a musculação que faz com que as atletas adquiram hipertrofia da musculatura geral. O trabalho do exercício anaeróbio é muito importante – é importante que não seja trabalhado somente os membros inferiores, mas também grandes musculaturas, como abdômen, peitoral, grande dorsal, para que a jogadora tenha um equilíbrio harmonioso durante as jogadas.

No futebol, as atletas mais fortes levam vantagem, durante um jogo de corpo, em um arranque (explosão), tudo com aumento de força e potência. Isso faz com que todas tenham uma melhora na performance durante os treinamentos e jogos, tornando o futebol feminino um espetáculo a parte.

Universidade do Futebol – Em uma entrevista, o Kleiton Lima citou que no Brasil a menina que aprendeu a jogar bola na rua, na praia ou na escola, com o irmão, o pai e os amigos, encarou questões de aprendizado técnico superiores. Entretanto, ela nunca teve uma condição tática definida, o que atrapalha no processo de desenvolvimento do jogo. Você teve a mesma avaliação quando trabalhou no Santos?

Luana Paula Silva  Sim. Muitas crianças e adolescentes chegavam para treinar na escolinha e na própria equipe do Santos sem noção de sistema tático alguma. Isso para o treinador é muito complicado no nível de equipe competitiva, pois é difícil para ele ensinar a atleta quando já está nessa categoria, não há tempo para isso.

A atleta teria que chegar “pronta” para jogar, mas infelizmente essa é uma característica das atletas que tentam ingressar na modalidade em nível competitivo, justamente devido ao fato que, na maioria das vezes, treinam com amigos, pais, escolas ou em equipes onde não são aprimorados e organizados os sistemas táticos.

Tive experiência também como atleta. Joguei em muitas equipes em que não eram focados esses sistemas, e isso deixava todas as atletas “deficientes” nas futuras equipes de que iriam participar. Muitas vezes, meninas muito talentosas, que não tiveram um trabalho forte de base, quando precisaram participar de uma peneira para jogar profissionalmente, não conseguiram desempenhar a função dentro do campo, pois a dificuldade em se encontrar e em se posicionar ficou evidente. Diferentemente de lugares como Estados Unidos e Europa, onde a menina ingressa na modalidade e em torno de sete, oito anos, já são trabalhados através de métodos lúdicos vários sistemas táticos, na adolescência já se encontram em nível de excelência, prontas para uma equipe de High Schooll (Ensino Médio), e posteriormente para equipes universitárias, que disputam a NCAA, maior competição universitária dos EUA.

 

Entrevista: Kleiton Lima, técnico da seleção brasileira feminina

 

Lá, muitos olheiros caçam talentos para as equipes da Liga Profissional de Futebol Feminino e para a própria seleção americana de futebol feminino. Justamente o que falta no Brasil é um investimento além do profissional: o trabalho de base é a base de tudo na formação de um atleta de alto rendimento, e o profissional precisa estar muito atento, e estudar muito, pois o futebol é um esporte complexo e não é fácil de ser ensinado.

O futebol feminino tem suas diferenças em relação ao masculino, e não devemos tratar as garotas como garotos, como foi citado em perguntas anteriores. As meninas são mais sensíveis psicologicamente, mas têm um ponto muito forte que é o aprendizado: elas aprendem muito mais rápido. Pude observar essa experiência durante o tempo em que ministrei aulas para meninas e para meninos da mesma faixa etária.



Em seu trabalho, Luana detectou que meninas são geralmente mais sensíveis psicologicamente que os meninos, mas têm um processo aprendizado mais veloz
 

Universidade do Futebol – Qual a fronteira entre a participação do preparador físico no amparo psicológico aos atletas, e o trabalho propriamente dito de um profissional específico da área?

Luana Paula Silva  Acredito que não há fronteiras, pois ambos profissionais devem estar interligados para que haja um feedback positivo das atletas, seja no aspecto físico de execução dos treinamentos e jogos, seja no aspecto psicológico, ensinando as atletas a saberem lidar com determinadas situações constantes de vitória, perda, cansaço ou lesões. Infelizmente, a maioria das equipes de futebol feminino no Brasil não possuem um psicólogo, um profissional de extrema importância para o esporte de alto rendimento.

Por mais que o preparador físico possa motivar as atletas, pela própria convivência e aproximação dos mesmos, o trabalho do psicólogo nunca será substituído. Devemos respeitar um ao outro e dar valor a todos os profissionais. Como diz René Simões, somos um tripé: para termos um bom rendimento na vida pessoal e profissional, devemos estar bem nos aspectos físico, mental e espiritual.

Universidade do Futebol – Você abordava conceitos de auto-ajuda e neurolinguística no seu trabalho diário no Santos?

Luana Paula Silva  Sim. Sempre gostei de trabalhar com motivação. Através dela que pude superar muitas adversidades que estiveram presentes na minha vida e provar a mim mesma que todos nós somos capazes de realizar até os sonhos que achamos mais impossíveis. Uma das conclusões que tive com esse trabalho, no profissional e na escolinha, é que a motivação dependia de um investimento diário. Percebia que aquelas mensagens que passava às meninas serviam de alimento, e muitas da escola vinham me cobrar quando por acaso eu esquecia de dizer algum pensamento no final de um treinamento.

Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria da atuação da comissão técnica e das demais áreas em um clube de futebol?

Luana Paula Silva  A preparação física no futebol é um dos fatores que mais evoluiu nas últimas décadas e continua evoluindo. O conhecimento científico do condicionamento físico para o futebol é de vital importância para o sucesso de uma equipe dentro de uma competição.

A importância de um profissional capacitado nos clubes é fundamental. O preparador físico deve estar presente em todas as categorias e não somente na categoria profissional, pois existem intensidades e cargas diferentes para cada faixa etária.

Hoje, o aspecto científico do treinamento físico está muito desenvolvido. Os profissionais se especializam cada vez mais utilizando computadores e os mais variados aparelhos eletrônicos possíveis para determinar o nível de condicionamento e a evolução dos atletas. Portanto, percebe-se que a preparação física evoluiu de tal maneira que seria impensável a falta de um profissional especializado em treinamento físico integrando a comissão técnica de uma equipe.

.