terça-feira, 24 de maio de 2011

Lu Castro coloca o futebol feminino em foco

Artigo] O universo da mulher futebolista brasileira

Por: Lu Castro

Futebol para meninas

Excepcionalmente nesta segunda-feira, subo o segundo texto para este blog. E é com muita alegria que o compartilho com todos. Ele faz parte do Dossiê Gender Kicks 2011 do Heinrich Böll Stiftung, que me foi solicitado no início do ano, como parte das ações do Instituto acerca do Mundial Feminino na Alemanha que se aproxima. Por ser um artigo, é extenso, pois dá uma geral no universo da futebolista brasileira. O texto em alemão está na página do Heinrich Böll Stiftung. Espero que apreciem, porque eu estou de fato muito feliz em poder colaborar com tão importante ação em nível internacional.

O Universo da Mulher Futebolista Brasileira

“O nível técnico e o bom futebol apresentado pelas jogadoras brasileiras, está muito mais ligado à natural desenvoltura em campo – predicado herdado de muitas gerações e misturas, que lhes conferem habilidades e gingas inconfundíveis, que a um real  desenvolvimento da modalidade no país. Há muitas barreiras a serem suplantadas, muitas melhorias a serem implantadas e para isso, é necessário envolvimento dos responsáveis pela organização do jogo das meninas em solo nacional.

Apesar das regras e do conceito puramente masculino, o futebol das mulheres surgiu buscando certo grau de independência e identidade própria. Infelizmente, por conta da alienação a uma sociedade amplamente machista, onde mulheres rotulam mulheres que ousam, o ímpeto de jogar futebol tornou-se um problema, havendo uma relevante melhora no modo como o futebol feminino foi entendido a partir de 2007.

O público interessado na modalide ainda é restrito e pouco influente se comparado à massa (incluindo muitas mulheres) que vê real valor no futebol dos homens. Para a grande maioria, investimentos na modalidade são desperdício de tempo e dinheiro. A modalidade não é reconhecida como profissional, goza de bem pouco prestígio junto à população e meios de comunicação, além de ser avaliada como maçante, muito mais por falta da perspectiva bio e fisiológica feminina, que torna o jogo mais cadenciado e não necessariamente menos veloz.

A visão, quase uma vidência, da necessidade de mudança, se deu depois de anos em que a modalidade cambaleava entre a falta total de interesse e investimento. A situação mudou significativamente nos dois últimos anos, após iniciativa da ex-diretoria do Santos, clube tradicional do estado de São Paulo, ao trazer para a equipe, a então três vezes Melhor do Mundo FIFA, Marta Vieira da Silva. Tal fato mudou circunstancialmente a visibilidade do futebol feminino no país, fazendo com que alguns clubes, espalhados pelo Brasil, mudassem significativamente seu olhar e sua postura sobre a modalidade.

O clube se tornou pioneiro em formar uma estrutura profissional, que significou desvincular o futebol feminino do Departamento de Esportes Olímpicos e oferecer-lhe um Departamento único, com profissionais voltados apenas para o cuidado das atletas. Tal mudança deu às jogadoras possibilidades de melhorar sua autoestima enquanto atletas do futebol feminino, conferindo melhor rendimento em campo, melhores condições físicas, técnicas e táticas. Um salto gigante para os padrões até então praticados no país. Consequentemente, pode se observar uma pequena elevação nas condições sociais e econômicas das meninas santistas, ainda que isso signifique, em percentuais, cotas bem inferiores se comparadas às praticadas no futebol masculino. Ainda assim, falamos de apenas um clube entre dezenas que apostam no potencial feminino em campo. As dificuldades enfrentadas por clubes, cuja possibilidade de ampliação de verba para a modalidade é quase nula, são sentidas dentro das quatro linhas. Mesmo buscando a superação, fica evidente a superioridade de clubes, como o Santos, que investem e destinam a atenção necessária para as jogadoras, imputando-lhes maior vigor físico, melhor técnica e consequentemente – embora nem sempre seja regra – títulos, aumentando assim a visibilidade da equipe na mídia quando é do interesse dos grandes veículos noticiar algo relacionado ao futebol feminino. No caso citado, a recente presença de Marta Vieira da Silva.

Tratando o futebol feminino da perspectiva organizacional, chegamos, tardiamente, ao ano de 2009, com o retorno de Marta Vieira da Silva já na condição de Melhor do Mundo FIFA por três vezes e tudo o que envolveu seu nome no aspecto de divulgação. Até então, Marta havia se consagrado na Suécia e teve sua última participação na equipe do Los Angeles Sol, pela WPS. Antes disso, no Brasil, não teve seu nome reconhecido.

O futebol feminino dos clubes – quando os tem – é vinculado ao Departamento de Esportes Olímpicos, o que implica em parco investimento. Poucos foram os clubes que trataram de acompanhar o desenvolvimento promovido pela diretoria santista, e esta pequena diferença na mentalidade de dirigentes e empresas que patrocinam o futebol feminino, pode ser sentida na final do Estadual Paulista de 2010, onde a equipe vice-campeã, São José, ganhou patrocínio de uma universidade local e pode melhorar o investimento nas atletas, fazendo excelente campanha num dos raros campeonatos estaduais que possuem um espaço fixo no calendário das Federações locais. Muitas delas cumprem, de qualquer maneira, a obrigação de realizar um Estadual Feminino, porquanto deve enviar um clube que representará a Unidade da Federação na competição nacional.

Ainda que contemos com a realização da Copa do Brasil, que qualifica a campeã para a disputa da Libertadores da América Feminina, há ainda pontos passíveis de melhorias, sobretudo no que diz respeito ao cumprimento da Lei 10.671/2003 – Estatudo do Torcedor*, que rege o Plano de Ações da Confederação Brasileira de Futebol, CBF, para a referida competição.

Em 2010 foram apontados alguns casos onde clubes mandantes não cumpriram as determinações da Lei. Dentro do regulamento da competição, fica claro que a falta de ambulância em campo, cuja presença é de responsabilidade do clube mandante e da Federação local, desclassifica a equipe, concedendo ao visitante a vitória, e, dependendo do turno em que se encontra a competição, vaga para a próxima fase. Não foi o que aconteceu. O presidente em exercício da Federação local conseguiu com que o jogo fosse remarcado alegando “a prestação de relevantes trabalhos junto a CBF”. A equipe visitante foi obrigada a voltar ao campo do adversário, em jogo marcado em horário inconveniente para a prática de qualquer esporte.

Evidenciou-se uma franca e escancarada utilzação do futebol feminino para fins políticos dentro da esfera futebolística. Fora dela, o assunto é tratado por conveniência e não ultrapassa o terreno das intenções.

Ainda falando da CBF, algumas falhas puderam ser percebidas no que diz respeito à atenção dada ao futebol feminino nacional. Em termos de preparação para o Mundial, apenas agora, no mês de março, sairá a convocação da seleção para um período de preparação. Encerrado o período, que durará cerca de 15 dias, outra convocação acontecerá entre abril e maio, que terá tempo equivalente para preparação. Talvez faça um amistoso, ainda não confirmado. Situação preocupante, já que várias seleções qualificadas para a Copa estão envolvidas em competições visando a maior de todas.

Na ocasião do Sul Americano Feminino do Equador, erros de informação no site da Confederação, sobre a quantidade de vagas para o Mundial e para as Olimpíadas, foram responsáveis pelo efeito dominó da informação equivocada em vários veículos de comunicação. Notou-se a pouca importância dada na coleta das informações que estavam disponíveis tanto no Regulamento do Sul Americano no site da Conmebol, quanto documentos oficiais carregados e disponíveis no site da FIFA.

O futebol feminino no Brasil é utilizado para fins comerciais e de maior visibilidade de determinadas marcas. Há uma cultura enraízada de que futebol feminino é lento, maçante e desnecessário, portanto, sem condições de alavancar um maior consumo. Algumas tentativas rendem mais críticas das pessoas realmente interessadas na valorização da modalidade, que elogios, vista que a última passagem de Marta pelo país serviu apenas para realização de dois torneios que não tinham valor para competições oficiais.

No geral, a condição social das atletas do futebol feminino não sofre grandes alterações. Muitas são as que migram para outros estados, afastam-se de suas famílias, vivem em alojamentos criados pelos clubes, mas não são remuneradas como profissionais e sim como amadoras. Muitas ganham ajuda de custo, mas mantem um trabalho em horário diferente dos treinamentos para que sua renda seja no mínimo razoável. Assim sendo, caso raro, Marta (foto) é, certamente, a única futebollista brasileira cuja condição social e econômica sofreu grandes alterações para os padrões gerais das atletas brasileiras. Isto é muito pouco para um país que produz muitas jogadoras.

Não há dúvida de que Marta Vieira da Silva é a personagem responsável pelo crescente interesse de milhares de meninas brasileiras pelo jogo de futebol. Nem tanto pela ascensão social e econõmica auferida pela cinco vezes melhor do mundo, mas, mais pelo seu futebol vistoso e o que ele lhe proporcionou. A infância da alagoana Marta, não difere em nada de centenas de milhares de meninas brasileiras, que se apegaram, a partir de então, ao modelo da genial jogadora, para romper barreiras e conquistar algum espaço num universo e num país de poucas chances quando o assunto é futebol feminino. Elas superam e ignoram qualquer pré conceito, qualquer possibilidade de fracasso tendo como foco principal, fazer o que amam e se realizarem através disso.

Há uma discriminação e rotulação velada. Não há uma aceitação da maioria da sociedade para as questões homossexuais e é muito comum relacionar qualquer atleta do futebol feminino com o lesbianismo como se fosse um problema nato do setor.  Ainda que a postura das pessoas denote algum desprendimento e aceitação das diferenças, tal atitude se dá mais por termos puramente legais que por formação de opinião mesmo. Exemplo disso são nossas leis que criminalizam qualquer atitude de preconceito e racismo. Talvez por esta condição, tudo é realmente muito disfarçado.

Interesses de marketing influenciam diretamente o futebol feminino. Tomemos como exemplo os dois Torneios realizados entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, momento em que o calendário não previa competições. O Torneio Cidade de São Paulo de Seleções teve sua segunda edição e ocupou espaço na programação televisiva num momento em que não aconteciam jogos de futebol masculino. Em janeiro, tivemos o Torneio Interclubes, tentativa de tapar o buraco deixado com a não realização do Mundial Interclubes previsto no início do ano de 2010. Tais competições não tiveram valor competitivo, se entendermos “valor competitivo” como um meio para participar de competições oficiais. Os jogos ocuparam determinadas faixas da programação televisiva, colocaram determinadas marcas em evidência, aproveitou-se a presença da Marta e não realizou nada de definitivo para a modalidade. Por outro lado, viu-se pela primeira vez nos últimos anos, a utilização da imagem da jogadora de futebol para uma possível aproximação com o público masculino. A criação do concurso das Musas do Torneio Interclubes foi exemplo disso. Foram escolhidas duas atletas de melhor aparência de cada equipe participante na tentativa de estabelecer uma ligação mais forte do maior público consumidor do jogo, que é o homem, com a modalidade.

Atualmente o Brasil tem em média, 130 equipes femininas disputando campeonatos estaduais que qualificam as equipes para a disputa da Copa do Brasil. Não é possível contar um número exato de meninas jogando futebol, uma vez que muitas equipes não possuem registro das atletas, mas tomando como base o número de equipes que foi possível localizar, temos em média 3.000 meninas nos campos atuando de forma amadora.

*A Lei 10.671 de 2003 foi criada para definir normas que defendam o torcedor brasileiro de má conduta clubística e de Federações, para assegurar transparência na organização dos eventos esportivos, clareza no regulamento das competições, segurança do torcedor em eventos esportivos, segurança na venda de ingressos, segurança no transporte, higiene dentro de estádios, transparência sobre a escolha da arbitragem e também regula a relação com a Justiça Desportiva.”

E MUITO climão. Alemanha nesta segunda-feira recheada de novidades, deixo Küsse.

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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Márcia Oliveira, treinadora de futebol nos Estados Unidos

Brasileira fala sobre realidade do ‘país do futebol feminino’ e pede maior presença de educadores  
Bruno Camarão
A trajetória do futebol feminino nos Estados Unidos não está diretamente relacionada a fatores culturais ou econômicos. Esporte de maior participação para mulheres, segundo a American Youth Soccer Organization, o diferencial cultural tem teor político.

Estudo desenvolvido no início da década de 1970 revelou que apenas 18% de todas as americanas chegavam a um diploma univeristário (em comparação a 26% dos homens). Em nível das oportunidades disponíveis dentro do desporto, a disparidade era absurda: praticamente 90% dos investimentos na área iam para os homens e apenas 10% para as mulheres.

Em virtude desse cenário, foi concebida uma lei conhecida naquele país por “Title IX” (Título Nove). Em resumo, ela diz que “nenhuma pessoa nos EUA pode ser, com base em seu sexo, discriminada ou excluída em participação de qualquer projeto educacional recebendo assistência federal”. E como a prática do desporto é grandemente vinculada ao sistema educacional, naturalmente esses programas receberam um imenso impulso. 

A nova legislação se refletiu em 51 milhões de alunas do nível elementar e secundário, e 14 milhões no nível universitário. De imediato, as instituições tiveram que adequar suas estruturas, estabelecendo igualdade de oferta em todos os programas educacionais. E o esporte – naturalmente com o futebol feminino inserido no processo – viu-se beneficiado.

Nesses mais de 30 anos, ocorreu um “boom” de oportunidades para as meninas, desde a iniciação à prática de alto nível. A demanda resultou em criação de variadas ligas e de vagas para profissionais especializados. Márcia Oliveira aproveitou-se do contexto.

Formada em Educação Física e em Psicologia, com mestrado em Pedagogia da Educação Física, ela realiza doutorado na área de Administração e Liderança Educacional. Sua base de aprendizado é norte-americana, mas a interação com treinadores brasileiros – René Simões e Jorge Barcellos – serviu para sustentar sua atuação como gestora de campo.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, ela discorre sobre a possibilidade de ingresso de brasileiros em clubes e em universidades, onde tem uma experiência relevante. Além disso, compara a especialização esportiva do Brasil e dos Estados Unidos, e de que maneira se dá o desenvolvimento das crianças nos mais variados aspectos humanos.

“A cultura americana é toda voltada para a educação e usa o esporte como meio de cidadania e suporte social. O sonho de quase todos é receber uma bolsa de estudo para ingressar na universidade jogando o seu esporte favorito”, revela Márcia. “Trabalho fazendo essa diferenciação com conhecimento desportivo, na Educação Física e pelos trabalhos anteriores com a seleção brasileira em seus treinamentos nos Estados Unidos”.


Universidade do Futebol – 
Márcia, conte-nos um pouco sobre sua formação acadêmica e o início de sua trajetória no futebol.

Márcia Oliveira – Minha trajetória acadêmica é a seguinte: fui aluna de Educação Física da UNESP, em Bauru (1990); formada em Educação Física e em Psicologia pela University of Mary Hardin-Baylor, no Texas, EUA (1995); mestrado em Pedagogia da Educação Física pela University of Northern Colorado, no Colorado, EUA (1998); Doutorando em Administração e Liderança Educacional no Ensino Superior pela Sam Houston State University, no Texas, EUA, neste ano.



 

No futebol propriamente, iniciei na própria UNESP. Depois passei pela U.S. Army – servi ao exército Americano e fui técnica em basquete e futebol para o exército no Colorado (Fort Carson, CO). No Colorado Chargers Soccer Club, fui técnica de crianças membros do clube, além de diretora de treinamento de clínicas de futebol no Estado do Oregon, no Score Inc. Soccer Academy.



 

Na sequência, trabalhei na University of Mary Hardin-Baylor como técnica do primeiro programa de futebol feminino da instituição para participar da competição de terceira divisão (1999-2002). Também fui professora do departamento de Exercício e Ciência do Esporte.

Em Sam Houston State University, também fui técnica do primeiro programa de futebol feminino da universidade, só que para participar da competição nacional de primeira divisão (2002-2008). E professora do departamento de Cinesiologia.

Em 2004, trabalhei em conjunto nos Estados Unidos com a seleção brasileira feminina, em preparação às Olimpíadas da Grecia (2004), ao lado do professor René Simões. A mesma função se repetiu no Mundial e nos Jogos da China (2007-2008), com o professor Jorge Barcellos.



 

Na University of South Dakota, elevei o programa de segunda divisão para primeira divisão da competição nacional (2008-2010), sendo também professora do departamento de Saúde e Educação Física.

Trabalhei ainda no acompanhamento da seleção norte-americana de futebol feminino, no ano passado, com a treinadora Pia Sunhage, antes de reestruturar a Grambling State University, universidade afro-americana, para competir em primeira divisão.



 

Sou membro associada da Academia Feminina de Técnicos de Esportes pela National Collegiate Athletic Association (WCA – Women’s Coaches Academy of NCAA), desde 2005; membro associada da Federação Nacional do Futebol dos Estados Unidos (US Soccer USSF); e membro da Associação de Técnicos de Futebol dos Estados Unidos (NSCAA), ambos desde 2000.



 

Universidade do Futebol – Como é a formação do treinador de futebol nos Estados Unidos e de onde surgiu o convite para atuar no país?

Márcia Oliveira – O convite foi uma “evolução” de situações e fatos. Tive uma educação no ensino superior nos Estados Unidos. Com isso, ja fazia parte do “sistema” depois que vim fazer faculdade em 1990. Olhando na minha formação acadêmica, fui convidada a formar o departamento de futebol feminino da University of Mary Hardin-Baylor, onde me formei em Bacharelado em Educação Física e Psicologia em 1995. Daí a minha carreira profissional deslanchou.

Geralmente, o treinador de futebol nos Estados Unidos começa como técnico de clubes, mas não necessariamente, e tenta chegar a técnico principal de uma universidade de primeira divisão.

É um pouco confuso explicar esse círculo de formação, pois é extremamente decepcionante ver profissionais na área que não são sequer professores de Educação Física. Por via das dúvidas, nenhum técnico de qualquer esporte aqui é necessariamente formado em Educação Física. A maioria não é. E isso não é obrigatorio. É decepcionante.

Mesmo assim, há técnicos excelentes (na quadra, no campo, etc.), e as outras áreas de formação do atleta fica para outros profissionais (preparador fisico, fisioterapeuta, etc.).



 

Os técnicos de universidades de primeira divisão são profissionais, em sua grande parte, equivalentes a representantes de seleção nacional e times da liga profissional. Mesmo assim, uma grande maioria não está no nível de técnicos profissionais no Brasil ou na Europa. A comissão tecnica da seleção dos EUA, por exemplo, é formada por uma técnica internacional e auxiliares que são técnicos de universidade de primeira divisão.

Os técnicos da liga profissional americana, na maioria das vezes, são ex-técnicos de universidades, técnicos internacionais, e ex-técnicos da seleção nacional.

Sobre a formação do treinador de futebol, aqui se “formam” mais como profissionais da área, pelos congressos de técnicos e cursos de um sistema de licença de futebol.

Os sistemas de licenças são A, B, C, e D, e por nível: premier, nacional e estadual. A licença inicial é pela federação (USSF) e mais limitada, em minha opinião. A licença pela associação de técnicos (NSCAA) é melhor, pois permite intercâmbios com profissionais internacionais.



 

O profissional pode ser técnico desde clubes a universidade, e até de seleção nacional, sem nenhuma delas, contanto que seja um bom profissional e exerça uma boa “politica”. De qualquer forma, as licenças enriquecem o conhecimento e o currículo.

Universidade do Futebol – De que maneira você avalia a importância dos treinadores estrangeiros no processo de profissionalização?

Márcia Oliveira – A importancia de estrangeiros é grande, pois nos Estados Unidos o esporte mais popular não é o futebol (soccer), e sim o football (futebol americano), o basquete, e o beisebol.

A maioria dos profissionais internacionais que trabalham com clubes são ingleses. Eles já falam a língua, e o americano, em si, acredita que os europeus sabem muito de futebol. Muitos fazem do sotaque inglês uma “forma de mostrar” que entendem da modalidade.

Os brasileiros, entretanto, são bem mais reconhecidos. O problema em relação a eles é a barreira do idioma e a autorização de trabalho. Europeus também não têm autorização de trabalho automática, mas há mais facilidade de se adaptar e procurar suporte de trabalho.

O treinador brasileiro pode se convidado e a ele ser oferecida uma autorização de trabalho – como Jorge Barcellos, da seleção feminina em 2008, que trabalhou no St. Louis Athletica, da liga profissional feminina. Ele teve um desempenho muito bom com a seleção brasileira feminina, dando continuidade ao trabalho feito em 2004, nas Olimpíadas da Grécia.



 

Os demais profissionais teriam que vir por cursos em universidades, convites de clubes, e, se possível, imigrando por família. O sistema de fases de assumir cargo como técnico se aplica da mesma forma para brasileiros, sendo a fluência no inglês e a autorização de trabalho dois fatores determinantes.



 

Universidade do Futebol – É possível se dizer que já há uma “escola estadunidense de futebol”, assim como há um modelo de jogo tipicamente inglês, italiano, brasileiro e argentino, por exemplo?

Márcia Oliveira – Em minha opinião, não, pelo menos até agora. Particularmente ainda acho que a seleção masculina dos Estados Unidos está muito distante de obter essa “identidade especial”. Em geral, eles atuam como os europeus – jogo direto, na força, e na velocidade.

A seleção feminina americana tem tido uma personalidade de jogo mais efetiva e melhor guiada por treinadores da mais alta qualidade, como Pia Sundhage, da Suécia, que tem uma variação de dar posse de bola, jogo rápido, e com um padrão mais atual e elevado. No masculino, o estilo é mais puramente um espelho do estilo europeu.



 

Universidade do Futebol – Você acredita que a globalização estabeleceu parâmetros e aproximou esses estilos?

Márcia Oliveira – Acho que a globalização tem ajudado muito a paises que estavam mais distantes de um estilo próprio. Isso traz uma melhor aproximação dos estilos, mas sempre existirão, em minha opinião profissional, os estilos mais legítimos, como o europeu e o sul-americano.

Universidade do Futebol – Qual é o perfil atual do jogador de futebol nos Estados Unidos?

Márcia Oliveira – É um fato que a maioria dos atletas se espelha no futebol europeu e na mistura do futebol americano. Rápido, direto, e na força, como falei anteriormente.

Acho importante salientar que no futebol atual, no mundo, isso está prevalendo muito e a diferenciação está na técnica avançada de países como o Brasil. A condição tática ainda é um fator “equalizador”; a experiência, a técnica e o talento nem sempre prevalecem, mas ainda são um diferencial.

Nas seleções nacionais, existe um amadurecimento melhor e de mais alto nível no feminino. O masculino tem melhorado muito, mas ironicamente, e diferentemente do Brasil, o feminino é mais importante aqui. Só nas universidades de primeira divisão contamos com 320 times.

Como a maioria das universidades de primeira divisão tem football (americano), o futebol feminino, pela lei do Título Nove (Title IX), é muito bem visto por dirigentes para se manter nas instituições de ensino. O número de participantes em uma equipe é grande, e ajuda a equilibrar a quantidade do football nesta mesma universidade.



 

Universidade do Futebol – Os Estados Unidos têm uma tradição secular de organização desportiva e tratamento profissional de suas ligas. De maneira geral, como é estruturado o futebol nos Estados Unidos? Há uma diferenciação muito grande entre a categoria profissional masculina e feminina?

Márcia Oliveira – Com certeza o mundo ainda é dos esportes masculinos, apesar de que as mulheres são maioria. A liga masculina já está mais consolidada que a feminina, e o incentivo é muito maior no masculino, mesmo que a seleção nacional feminina tenha tido mais sucesso internacionalmente. A boa noticia é que as federações e o governo mantêm um equilibrio mais próximo e cumprem as leis com responsabilidade e respeito.



 

Universidade do Futebol – As crianças e adolescentes praticantes do futebol nos EUA pretendem, de forma geral, se tornar jogadores ou jogadoras profissionais?

Márcia Oliveira – A grande maioria das crianças quer ter a oportunidade de jogar por universidades, o mais alto nível antes do profissional. Muitos sonham com isso, mas o foco maior é jogar por “aquela universidade” famosa, grande, prestigiosa.

A cultura americana é toda voltada para a educação e usa o esporte como meio de cidadania e suporte social. O sonho de quase todos é receber uma bolsa de estudo para ingressar na universidade jogando o seu esporte favorito. Mesmo assim, há aqueles que não terminam a universidade para jogar profissionalmente – um fato raro.



 

Universidade do Futebol – No Brasil, são poucas as linhas de pesquisa científica para identificação de talentos esportivos no próprio futebol masculino. De que maneira os clubes dos Estados Unidos, onde você atua, trabalham em seus departamentos de formação a detecção de jovens com potencial para se tornarem atletas profissionais?

Márcia Oliveira – Os clubes não têm essa formação profissional como expliquei anteriormente. São poucas as agremiações profissionais que começaram a fazer programas mais específicos e com trabalhos verticais.

Eles são totalmente amadores (com licenças ou não), e a atleta paga para treinar e jogar. A formação e a detecção de talentos se dão mais nos programas de desenvolvimento olímpico e nas universidades. Eu trabalho com universidade, e esses projetos são areas de recrutamento de atletas para a maioria das instituições de primeira divisão.



 

Universidade do Futebol – Em se considerando os aspectos anatômico-fisiológicos característicos da mulher em comparação ao homem (menor estatura média, maturação mais rápida do esqueleto, ossatura mais fina, maior percentual de gordura corporal, diferenças do metabolismo, menor massa muscular, etc.), quais padrões de planejamento técnico, tático e físico devem ser traçados para respeitar essas peculiaridades?

Márcia Oliveira – Esses padrões se diferenciam entre o masculino e feminino, é claro. O critério é cientifico. Cada técnico tem a sua visão e sua filosofia, mas o futebol também é “ciência”. Eu trabalho de uma forma mais “holística”, incorporando todos os fatores possíveis para a continuidade de formação do atleta.



 

Faço uso também de testes adaptados para o feminino e de instrumentos que melhoram e aperfeiçoam a técnica.

Como aqui, e em nenhum lugar que conheço, há uma diferenciação em equipamento ou campo de futebol (no basquete americano existe uma especificidade no tamanho e no peso da bola, e em relação à distância da linha que demarca os três pontos), as áreas técnica, tática, física e psicológica são tratadas separadamente, de início, e em conjunto, posteriormente.

Esses padrões de planejamento devem ser traçados de acordo com a necessidade e em relação ao calendário para respeitar essas peculiaridades.

Trabalho fazendo essa diferenciação com conhecimento desportivo, na Educação Física e pelos trabalhos anteriores com a seleção brasileira em seus treinamentos nos Estados Unidos. Por exemplo, exercícios de condicionamento e levatamento de peso para fortalecer musculatura e ligamentos para prevenir contusões (as atletas tem uma tendencia de lesão ligamentar do joelho por causa da amplitude dos quadris).

Desenvolvo também atividades com futsal e outros tipos de bolas para aprimorar a técnica, e trabalho holisticamente em conjunto com o departamento de fisioterapia na prevenção de contusões, no monitoramento nutricional, médico e psicológico.



 

Treinar mulheres é diferente dos homens, pois elas são detalhistas, seguem com mais facilidade o planejamento de treino e jogo, têm uma tolerancia baixa para o erro, querendo sempre fazer o melhor, além de uma emoção mais apurada.

O treinador, ou treinadora, tem que saber muito mais sobre futebol e gerenciamento de grupo para treinar mulheres do que para treinar homens. Cada grupo tem os seus desafios e as suas compensações.

Um dos grandes propulsores do futebol feminino no Brasil é René Simões. Além do seu livro sobre a conquista na Olimpíada na Grécia (O Dia que as Mulheres Viraram a Cabeça dos Homens), ele sempre fala que aprendeu muito mais sobre o que é realmente ser treinador de futebol depois da experiência com a seleção feminina do Brasil.

A ele, eu agradeço muito pela integridade e profissionalismo de dirigir a seleção brasileira feminina em 2004, quando trabalhamos juntos em sua passagem com aquele grupo no Texas. Em seu livro, ele relata sobre essa passagem e experiência. A ele também, agradeço por ter sido uma inspiração para o meu trabalho como treinadora.



 

Universidade do Futebol – A ação motora desportiva feminina possui outro tempo de execução e outra performance, quando comparada com a masculina. De que maneira se realiza o processo de explicitação e conscientização da equipe para este fato?

Márcia Oliveira – Em geral, os técnicos daqui não veem dessa forma. A maioria deles é leiga e não tem nenhuma formação na Educação Física. Particularmente, sigo um estilo de treinamento alemão para esses níveis de conscientização, conferindo atividades mistas com os meninos, quando possível. Em um ou dois treinos da semana, também, coloco duas jogadoras por vez para treinarem como o masculino.

Uso muito o futsal no primeiro semestre do ano (inverno), e faço uma orientação geral dos testes de RAST, musculação, e monitoramento de nutrição para melhorar a performance e conscientização do nível atlético de cada uma.



 

Universidade do Futebol – Se tratada de forma correta, a especialização esportiva ajuda no desenvolvimento das crianças nos aspectos social (relações com outras pessoas e com o mundo), filosófico (compreensão e questionamento), biológico (conhecimento e utilização do corpo), e intelectual (desenvolvimento cognitivo)? O que pensa sobre esse tema, especificamente?

Márcia Oliveira – Acho essa área fascinante. É a fundação do esporte. Tive a oportunidade de fazer alguns trabalhos com o sub-9 e o sub- 10, masculino e feminino, no Michigan. Trabalhei as áreas motoras, técnica, social, e intelectual com esses grupos.

Infelizmente, nos Estados Unidos, eles já jogam no campo (tamanho reduzido, bola menor). No Brasil, utilizamos o futsal. Os jovens americanos, em sua maioria, são orientados pelos pais para serem agressivos e competidores, colocando de lado toda essa formação maravilhosa dos aspectos social, biológico, intelectual, etc.

Como falei anteriormente, é muito raro ver um profissional de Educação Física trabalhando com essa faixa etária (ou em outras). Perde-se muito nesse quesito, e aí que está a grande diferença do trabalho no Brasil.

O futsal, a organização das aulas, o respeito com a faixa etária, o desenvolvimento de cada um e a alegria de jogar, socializar, primeiro; e sonhar em jogar futebol de campo, depois.

É lamentavel que não há muito profissionalismo ou iniciativas com profissionais de Educacão Física nesta área nos Estados Unidos. Segundo a Fifa, o país tem um número significante de praticantes jovens em todo o mundo.



 

Universidade do Futebol – E o mercado de trabalho para profissionais do futebol brasileiro que queiram trabalhar nos EUA? Quais são os principais desafios e dificuldades a serem superados?

Márcia Oliveira – Há muitas opções. Principalmente com as crianças, como citei anteriormente. A língua é uma grande barreira, a autorização de trabalho é muito difícil, mas mesmo assim não é impossivel. Tem que ter um propósito sério e não pensar que “tudo cai do céu” aqui nos Estados Unidos.

A jornada é dura e dificil como qualquer transição na vida. Da mesma forma, pode ser muito gratificante. Com convites de clubes ou universidades, isso é possivel. Vir para fazer mestrado e atuar como estagiario (graduate assistant) é outro investimento importante. Já existe muita procura de pessoas do mundo inteiro. Mas, em minha opinião, o brasileiro profissionalmente sério tem todas as condições de ir longe.

Recruto jogadoras americanas e internacionais. Já tive jogadoras brasileiras nos meus trabalhos em universidades. E elas tinham um propósito muito sério e maduro, sendo de alto nível (seleção brasileira sub-20). Todas foram bem sucedidas.

Deixo meu contato (marcia.oliveira@me.com) para jogadoras do Brasil que queiram ingresar em universidades americanas jogando futebol, e também para trocar informações e tirar dúvidas sobre orientação profissional.



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terça-feira, 29 de março de 2011

Paciente, goleira norueguesa divide função com engenharia e lamenta ‘solidão’ em treinamentos

Ingrid Hjelmseth teve de aguardar fim do ciclo de Bente Nordby e superar lesões para se firmar na seleção européia

Uma engenheira a serviço da Noruega

Ingrid Hjelmseth (foto AFP) sempre foi uma jogadora promissora. A sua afirmação na seleção principal da Noruega, entretanto, esteve condicionada – e limitada – à presença de Bente Nordby, umas das grandes goleiras da história recente da modalidade. Mas o tempo chegou para a eterna titular, e a guarda-metas de 30 anos, que também superou uma série de lesões, assumiu a camisa 1.

Fora das duas últimas edições da Copa do Mundo Feminina da Fifa, justamente por problemas médicos, Hjelmseth debutará no Mundial deste ano, que ocorrerá na Alemanha. A certeza de que desempenhará um grande papel se ampara na performance apresentada na Euro 2009, na Finlândia.

“O ambiente vai ser espetacular porque muitos ingressos já foram vendidos. O torneio motiva muito a todas as jogadoras. E especialmente a nós, porque muitos dos nossos torcedores deverão viajar para nos assistirem. O objetivo é lutar pelas medalhas e também conseguir uma vaga nos Jogos Olímpicos de Londres 2012”, disse Hjelmseth, em entrevista ao site oficial da Fifa.

A temporada oficial na Noruega começa no próximo dia 2 de abril. Antes disso, as mulheres participaram também de um Mundialito em Portugal, que serviu como preparação para a disputa em terras germânicas. Hjelmseth, plena fisicamente, estará lá.

Em 2003, ela torceu um dos pulsos dois dias antes da primeira partida do Mundial daquele ano e precisei voltar para casa. Já em 2007, lesionou um dos joelhos. “Foi muito amargo, mas a Alemanha será a minha Copa do Mundo”, prevê.

Sobre o fato de ter sido reserva durante anos de Bente Nordby, Hjelmseth encara a situação com naturalidade. “Ela foi uma das melhores goleiras do mundo, aprendi muito com ela e por isso sei que tenho muita responsabilidade”, elogiou a jogadora, que é uma das mais experientes de um grupo que busca a renovação.

“As jovens que chegam são mais técnicas e têm um bom preparo físico. Com a contribuição delas, a seleção melhorou tecnicamente e ficou mais competitiva”, apontou.

Ao ser questionada sobre o desempenho geral de atletas que atuam em sua posição, Hjelmseth rebate aqueles mais críticos. “Não concordo com quem diz que as goleiras são o ponto fraco do esporte. Talvez as jogadoras de linha brilhem mais, mas existem grandes goleiras como a americana Hope Solo e a alemã Nadine Angerer”, elencou.

“A nossa posição é difícil e muito solitária na preparação, porque ainda não há treinadores específicos como os do futebol masculino. Mas estamos trabalhando bem e bastante”, completou, lamento o fato de não haver tantos treinadores de goleiras.

Não bastasse o isolamento e a falta de auxiliares no dia-a-dia de treinamentos, Hjelmseth também tem de conviver com uma jornada dupla. Ela dedica 60% do seu tempo ao trabalho como engenheira em uma empresa de Oslo. E vê com bons olhos tal situação.

“É bom contar com outra atividade e não pensar em futebol o dia todo, e também é muito bom para exercitar a mente”, justificou Hjelmseth, que após tanta luta para vingar nos campos, ainda não pensa em se aposentar.

Equipe Universidade do Futebol

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domingo, 13 de março de 2011

Debate: A realidade e as tendências do futebol feminino

O futebol feminino terá mais um fórum de discussão para seu engrandecimento

O Club de Regatas Vasco da Gama irá realizar o I Encontro de Futebol Feminino do Rio de Janeiro no dia 26 de março, na Sede Náutica do Calabouço. O objetivo do encontro que está sendo organizado pelo Vasco e pela Marinha do Brasil é promover debates acerca da realidade e tendências do futebol feminino no Rio de Janeiro. 

Para se inscrever no evento, os interessados devem entrar em contato com o Departamento de Futebol Feminino por e-mail: paulo.neves@crvascodagama.com
A inscrição é gratuita.

Confira a programação do encontro:

9h às 12h - Primeiro bloco de debates: O desenvolvimento do futebol feminino.
13h às 17h - Segundo bloco de debates: Dificuldades do futebol feminino

26/03: I Encontro de Futebol Feminino (9h às 17h)
Sede Náutica do Calabouço: Rua Jardel Jercolis, s/nº, Centro, entre o aeroporto Santos Dumont e o SAM.

Equipe feminina de futebol do Vasco

 Site oficial do Vasco

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sábado, 12 de março de 2011

Augusto Moura de Oliveira, treinador da seleção feminina do Haiti

Pós-graduado pela UFV fala sobre experiência naquele país e da sua atuação em escolinhas de futebol
Bruno Camarão

O passado recente explica a desestruturação geral do Haiti, que conviveu durante anos em um cenário político atribulado. Em 2010, o país foi devastado por um terremoto de sete graus na escala Richter, que matou mais de 200 mil pessoas. E somente na força divina e no amparo proveniente da família e dos amigos restantes que muitas pessoas conseguiram se reerguer.

Vinte e três mulheres, representantes da seleção feminina de futebol haitiana, entretanto, viram o Brasil também como um porto seguro. E o esporte passou a integrar a remontagem sentimental da mais pobre das nações americanas.

Por intermédio de uma parceria entre a federação de futebol daquele país, o Ministério da Defesa, a Marinha do Brasil, a ONG Viva Rio e a Universidade Federal de Viçosa, viabilizou-se a preparação da equipe para a Copa Ouro, torneio eliminatório para a Copa Mundo que acontece este ano, na Alemanha.

“Foram três meses de um aprendizado fantástico, nutrido por inúmeras situações dentro e fora de campo, em que eu e toda comissão técnica nos tornávamos seres humanos melhores a cada momento”, definiu Augusto Moura de Oliveira, escolhido como treinador daquele time.

Ele conviveu com atletas como Betty Sanoun, que aos 25 anos quase perdeu a vida por causa do forte tremor – a meio-campista permaneceu soterrada por um dia inteiro após o desabamento de sua residência, na capital Porto Príncipe. Foram mais de dois meses de preparação envolvendo todas as avaliações físicas, laboratoriais, jogos amistosos e escolha das vinte mulheres que viajariam ao México para representar o Haiti na competição internacional.

“Muitos foram os aprendizados, pois pretendíamos respeitar as características do futebol haitiano; porém, implantarmos um estilo brasileiro de atuar dentro de campo, com qualidade na posse de bola, variações táticas e mais liberdade nas ações técnico-táticas individuais e coletivas”, revelou Augusto, que encontrou um pouco de resistência e dificuldade para implementar suas ideias.

Em termos práticos, o coordenador técnico da escola de futebol Fogo Maringá enalteceu a importância de aplicar o treinamento de forma globalizada, com o intuito de otimizar a questão técnica dos gestos motores das atletas. Princípios de ataque e defesa, em jogos reduzidos, foram delineados por Augusto e sua comissão, formada por: Alexandre Lemos (assistente técnico), Jorge Augusto (preparador físico), Luiz Carlos (preparador de goleiros) e Paulinho (Massagista).

Êxitos em termos de resultado à parte – o Haiti acabou não se classificando para o Mundial feminino –, a experiência de Augusto diante de um cenário histórico suplantou qualquer outro fator. Nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol, ele fala mais sobre sua atuação com as haitianas e aborda ainda de maneira profunda o processo de formação do jogador brasileiro, a partir das ideias do livro Escola de Futebol: dicas administrativas e pedagógicas para alcançar o sucesso, de sua autoria.



 
Seleção feminina de futebol do Haiti: considerações acerca dos treinamentos técnico e tático 
 

Universidade do Futebol – Qual a sua trajetória acadêmica e como ocorreu o ingresso no ambiente do futebol?

Augusto Moura de Oliveira –
 Eu me formei em Educação Física pelo Centro Universitário de Maringá, em 2005. Após isso, concluí o curso de pós- graduação em Futebol na Universidade Federal de Viçosa, em 2007. No primeiro ano de faculdade tive a oportunidade de ingressar como estagiário no Projeto Revelação de uma entidade filantrópica chamada Lar Escola de Criança de Maringá. Tal projeto objetivava suprir o tempo ocioso dos jovens com um programa de iniciação esportiva ao futebol de campo.

De lá para cá foram inúmeras participações em congressos, passagem por diversos clubes de formação, criação de um simpósio de futebol e recentemente o trabalho como treinador da seleção feminina de futebol do Haiti.

Universidade do Futebol – 
Fale um pouco sobre os obstáculos estruturais e sociais que o Haiti enfrenta, bem como os motivos da cultura motora não ter sido desenvolvida a contento com os atletas.

Augusto Moura de Oliveira – O passado recente nos explica a desestruturação do país de maneira geral, porém, há muitos anos, o Haiti enfrenta problemas políticos que afetam as demais esferas da nação. No âmbito esportivo não seria diferente, embora o futebol seja um dos esportes favoritos lá. As condições das estruturas físicas estão bem longe de serem apropriadas para desenvolver projetos esportivos e sociais com intuito de preencher o contra-turno dos jovens.

A nação encontra-se com escassez de infraestrutura básicas, como saneamento, educação, energia elétrica, asfalto, dentre outros que acabam por dificultar o avanço no que diz respeito a prática desportiva.




Haiti pós-terremoto: falta de estrutura, campos de futebol usados como abrigo e abalo emocional das atletas 

 

Universidade do Futebol – Como foi a experiência de comandar a seleção feminina do Haiti na preparação para a Copa Ouro? Detectou muitas especificidades em relação aos projetos desenvolvidos no Brasil?

Augusto Moura de Oliveira – É impar o momento de estar à frente de uma seleção nacional. Foram três meses de um aprendizado fantástico, nutrido por inúmeras situações dentro e fora de campo, em que eu e toda comissão técnica nos tornávamos seres humanos melhores a cada momento.

Através de uma parceria entre Ministério da Defesa, Marinha do Brasil, ONG Viva Rio e Universidade Federal de Viçosa, viabilizou-se a vinda da seleção haitiana de futebol feminino ao Brasil objetivando a preparação para a Copa Ouro, eliminatórias da Copa Mundo que acontece este ano na Alemanha.

Diante disso, recebi uma ligação do coordenador do curso de pós- graduação em Futebol da Universidade Federal de Viçosa, João Bouzas Marins. Durante o contato, ele resumiu o projeto e foi direto ao assunto ao me questionar se eu aceitaria ser o treinador dessa seleção feminina.

De fato, fiquei surpreso com o convite, mas ao mesmo tempo muito motivado pelo pouco tempo de trabalho e pela grandeza da missão.

Desde então, passaram-se duas semanas e eu já estava em Viçosa reunido com os professores doutores João Bouzas, Próspero Paoli e José Muanis para discutir o desenvolvimento do projeto e suas etapas de acontecimento.

Foram 70 dias de preparação envolvendo todas as avaliações físicas, laboratoriais, jogos amistosos e seleção final das vinte atletas que viajariam ao México para representar o Haiti numa competição internacional.

Muitos foram os aprendizados, pois pretendíamos respeitar as características do futebol haitiano; porém, implantarmos um estilo brasileiro de atuar dentro de campo, com qualidade na posse de bola, variações táticas e mais liberdade nas ações técnico-táticas individuais e coletivas.

Para implantarmos esse conteúdo encontramos um pouco de resistência e dificuldade, todavia fomos nos utilizando de jogos em espaço reduzido, pequenos e médios jogos com regras adaptadas a fim de inserir os conteúdos planejados e atingirmos nossos objetivos.

 

Entrevista com João Carlos Bouzas, professor da UFV 




Da surpresa do convite à motivação por causa da grandeza da missão: Augusto assumiu a seleção feminina do Haiti e participou de importante processo histórico 

 

Universidade do Futebol – Como é estruturado o futebol – de maneira geral – naquele país? As mulheres possuem suporte, ou é uma realidade ainda bem precária? E a metodologia de trabalho definida para o treinamento da equipe?

Augusto Moura de Oliveira – No Brasil, já estamos numa escala maior graças ao trabalho de profissionais dedicados ao futebol feminino, contudo vale destacar que o patamar que atingimos é graças a pessoas como Renê Simões, Jorge Barcelos e Kleiton Lima. 

Este último merece destaque especial pela contribuição à modalidade em nosso país estando à frente do Santos por 13 anos e por comandar os triunfos recentes da seleção principal de futebol feminino no Brasil.

Resolvi citá-lo pelo carinho com que nos recebeu para uma partida amistosa na Granja Comary e, principalmente, pelo respeito e atenção de toda sua comissão técnica e atletas. Após esse jogo, conversamos por longos minutos sobre o panorama geral do futebol feminino no Brasil e no Haiti.

É sabido dos obstáculos que se enfrentam por aqui para fazer da modalidade cada dia mais profissional. Diante disso, guardada as devidas proporções da comparação.

No Haiti, as condições são inferiores, já que os campos de futebol foram transformados em abrigos e alojamentos para centenas de famílias após o terremoto.

Existe uma liga feminina de futebol, porém um pouco longe de ser profissional e tampouco estruturada de forma que garanta às mulheres exercer apenas a profissão de atletas de futebol no país. 

Mas vale lembrar que o Haiti passa por um forte processo de reconstrução, no qual a ONG Viva Rio e a Universidade Federal de Viçosa estão somando forças com intuito de fornecer investimento e material humano para estabelecer e estruturar a prática esportiva desde a mais tenra idade, objetivando criar uma cultura esportiva e fornecer estímulos necessários para que os jovens desenvolvam suas potencialidades.

Sobre a metodologia de trabalho, foi de suma importância nossa decisão quanto à aplicação do treinamento de forma globalizada, a fim de otimizar a questão técnica dos gestos motores e deixar claro que um repertório motor desenvolvido de forma adequada facilita a transferência para o elemento tático do jogo, visto que o maior repertório técnico influencia diretamente na tomada de decisão.

Diante dessa perspectiva, utilizamos exercícios mirando não apenas a correção do movimento e refinamento do gesto, mas também com a intenção de desenvolver os princípios de ataque e defesa durante as sessões de treino. 

Para tanto, criamos jogos para execução das ações táticas específicas e situacionais com a intenção de fornecer e nutrir o repertório motor e cognitivo das atletas a fim de equilibrar o desenvolvimento ofensivo e defensivo da equipe.

Universidade do Futebol – Em seu livro “Escolas de Futebol: dicas administrativas e pedagógicas para alcançar o sucesso, você elenca características específicas para a montagem de um projeto desse tipo. Poderia explicar um pouco sobre o processo de confecção da obra e quais são os principais temas abordados?

Augusto Moura de Oliveira – Foi resultado de ampla pesquisa e alguns anos de trabalho como gestor e consultor de escolas de futebol.

A obra apresenta dicas e modelos de intervenção resumidos de forma sucinta, rápida e criativa. O conteúdo busca orientar professores e gestores de escolas desportivas para que as ações alcancem sucesso e minimizem erros durante a temporada.

Sendo assim, podemos elencar diversas dicas e sugestões de atividades práticas para otimizar o processo de intervenção dos profissionais que atuam nas escolas de futebol

 




Confira mais informações sobre a obra

 

Universidade do Futebol – De que forma são reconhecidos os líderes individuais entre as crianças e de que forma deve ser trabalhada a liderança construtiva pelos professores, coordenadores e técnicos?

Augusto Moura de Oliveira – Ouso afirmar que professores de futebol atentos ao processo de ensino-aprendizagem tornam-se capazes de identificar com certa facilidade as características individuais dos alunos que compõem as mais diversas turmas de uma entidade desportiva.

Para tanto, detectar vontades, desejos, vaidades, carências e necessidades faz parte de uma gama de habilidades que os professores desenvolvem ao trabalhar diariamente com jovens futebolistas. 

A liderança é uma das habilidades percebidas através desse contato. No entanto, o aluno apresenta características operacionais, criatividade, facilidade de assimilação do conteúdo ministrado, motivação, capacidade de incentivar os demais integrantes e externar sua opiniões com naturalidade.

Diante disso, cabe ao professor desenvolver atividades que potencializem esses adjetivos, bem como dinâmicas que requerem expressão individual dentro do grupo.

Universidade do Futebol – Walter Benjamin diz que o grande equívoco em relação aos brinquedos fabricados é o fato de que estes são sempre pensados como produções para as crianças e não como criações das crianças. Os brinquedos, atualmente industrializados e produzidos em séries, limitam a criatividade das crianças, mesmo quando estas não são totalmente servis a eles?

Augusto Moura de Oliveira – Os brinquedos infantis evoluíram muito nos últimos anos, pois existem preocupações no tocante ao tipo de inteligência que o mesmo desenvolverá e também sobre as mais variadas faixas etárias a que se destinam tais objetos.

Para tanto, é função dos professores e instrutores utilizarem-se da criação e recriação de formas e meios de se desenvolver habilidades e inteligências que servirão de premissas para aprendizagens futuras.

Diante dessa perspectiva, a criança deverá sempre dominar e manipular o brinquedo, e não o contrário.

Universidade do Futebol – O jogo de futebol não é feito apenas de fundamentos, movimentos técnicos, sendo a relação com a bola apenas uma das competências essências dessa prática. Como desenvolver esses mesmos jogos facilitando a aprendizagem da estruturação do espaço e da comunicação na ação?

Augusto Moura de Oliveira – Não podemos pensar no processo de ensino- aprendizagem do futebol de campo se fragmentarmos as ações técnico- táticas. O todo deve prevalecer também no processo de ensino.

No entanto, a redução dos espaços, a adaptação das regras e a criação de jogos pré-desportivos são de suma importância para que se desenvolva um ambiente de aprendizagem satisfatório.

Os professores devem planejar vossas aulas com o devido cuidado, respeitando os aspectos biológicos, fisiológicos e motores dos aprendizes.

Hoje em dia a literatura se encontra vasta no sentido de ofertar conhecimento aos estudantes e profissionais de educação física que atuam nas escolas de futebol.
 


A criança e a iniciação esportiva

 

Universidade do Futebol – O fato de as crianças não brincarem mais tanto de futebol, desenvolvendo essa atividade majoritariamente em escolinhas ao comando de um professor muitas vezes tecnicista, pode acarretar em uma perda da identidade brasileira ao longo do tempo?

Augusto Moura de Oliveira – A pergunta é pertinente ao extremo, haja vista o número de intervenções práticas ministradas por instrutores de futebol que apenas reproduzem o que lhes foi ensinado num passado não tão distante.

Sabe-se no mundo inteiro que o futebol brasileiro é conhecido e reconhecido pelo talento individual, pela ousadia com a posse da bola, pelos dribles e tabelas que tanto encantam e premiam nossos craques pelo mundo afora.

De fato, o cenário atual preocupa, mas cabe, sim, aos profissionais de educação física fazer do ambiente responsável pelo ensino do futebol uma ferramenta capaz de suprir a necessidade de movimento das crianças e, principalmente, ofertar estímulos motores e cognitivos satisfatórios.

Uma abordagem prática deve ser baseada no conhecimento afetivo, cognitvo e motor que o jovem já possui. Entretanto, o lúdico deve prevalecer sempre no planejamento das sessões de treino. O jovem futebolista deve ser incentivado a brincar de jogar futebol dentro do ambiente formal.

Logo, tomar nota dos tipos de brincadeiras que as crianças mais gostam e participam em ambientes fora da escola de futebol se faz necessário para que os treinos de futebol atinjam seus objetivos e mantenham os praticantes envolvidos por inteiro nas atividades.

É igualmente importante sublinhar que o futebol brasileiro estará sujeito à perda da identidade apenas se os profissionais não qualificados forem maioria no nosso país. Porém, isso não me preocupa, pois existem diversas instituições de ensino formando e capacitando profissionais competentes para trabalharem com futebol – e o mais importante é que clubes de formação e escolas de futebol oportunizem a aplicação desse conhecimento.

Universidade do Futebol – Quais as semelhanças e diferenças você consegue identificar entre uma pelada e um jogo oficial? O bom peladeiro será necessariamente um bom jogador do “esporte futebol”?

Augusto Moura de Oliveira – Uma pelada de futebol apresenta vertentes que merecem atenção quando pensamos em liberdade, movimentos espontâneos, improvisação, interação e disseminação da cultura esportiva. 

Numa pelada, os participantes possuem as mais diversas idades, capacidades motoras bem ou mal desenvolvidas, biótipos propícios ou não, intenções particulares com aquela prática e, principalmente, aquela sensação que se pode realizar jogadas geniais como os grandes jogadores.

Já uma partida oficial se encaixa nas mais diversas formas que o futebol se apresenta, seja como espetáculo, negócio ou rendimento esportivo. 

Podemos detectar as regras sendo aplicadas, a mídia cobrindo o espetáculo e transmitindo para milhões de pessoas em todo o mundo e todos os demais detalhes percebidos somente por quem já viu alguma vez na vida uma partida oficial dentro de um estádio de futebol.

Seria rigidez exacerbada afirmar que um bom peladeiro não pode se tornar um ótimo jogador de futebol, logo, um bom peladeiro que apresente pré-requisitos interessantes poderá, sim, ser um jogador de futebol que atenda às necessidades físicas, técnicas e táticas de determinados clubes e treinadores.



 

Universidade do Futebol – Como você vê, dentro do âmbito escolar e das próprias escolinhas de futebol, a possibilidade de instrumentalizar o futebol para integrar novos conhecimentos?

Augusto Moura de Oliveira – Muitas são as opções de agregar valor ao processo de ensino- aprendizagem do futebol dentro e fora das escolas de futebol. Ações inovadoras servem de ferramenta aos professores das escolas de iniciação e especialização esportiva para que atinjam níveis maiores de desenvolvimento global.

Mais uma vez volto a frisar a importância de se possuir professores motivados e interessados em fazer dessa prática esportiva uma excelente oportunidade de transmissão de conhecimento, onde a geração de discussões sobre os mais variados temas, ou seja, uma simples palestra com profissionais da área da saúde, políticos, empresários, policiais, dentre outros, pode fornecer estímulos a fim de contribuir com a formação de indivíduos mais críticos e possuidores de conhecimento horizontal.

Universidade do Futebol – Para formar um jogador de futebol, não basta apenas oferecer a estrutura física adequada, mas é preciso investir em preparação motora e psicológica, além de promover uma prática orientada e planejada do esporte desde a infância. No Brasil, você consegue detectar projetos integrais consolidados de escolas de futebol?

Augusto Moura de Oliveira – Um pouco longe do ideal, mas no Brasil já se pode detectar instituições completamente preocupadas com a execução completa do processo de preparação de jovens futebolistas.

De fato, uma estrutura física adequada, profissionais capacitados, equipe multidisciplinar, saúde financeira, planejamento estratégico e plano de cargo e salário devem reger a interação desse organograma com intuito de qualificar ainda mais o mecanismo de formação de jogadores no Brasil.

Sabemos que a partir do momento que um garoto ou uma garota sai de casa e passa a morar em alojamentos dos clubes de formação, a responsabilidade pelo processo de educação desses indivíduos será função do clube, pois este terá contato diário com os atletas durante anos.

Posso citar o Clube Atlético Paranaense, o Cruzeiro, o Atlético Mineiro e o Coritiba como instituições que ofertam suporte total aos garotos de suas categorias de base. Ouso elencar esses clubes simplesmente por conhecer tanto a estrutura física quanto os profissionais que lá trabalham.

Contudo, é louvável mencionar que os citados acima também possuem planejamento para carreiras de profissionais de educação física, haja vista o número de anos que os mesmos atuam dentro dos clubes e também aevolução gradativa dentro do organograma.




Alguns clubes realizam um trabalho de base estruturado e pautado na contratação de profissionais qualificados: é o caso do Atlético-PR, com suas Escolas Furacão

 

Universidade do Futebol – Como você avalia o processo de detecção e desenvolvimento de talento do jogador de futebol no Brasil? Os grandes clubes formadores sabem exatamente que jogador estão procurando para fazer parte desse contexto?

Augusto Moura de Oliveira – O processo de diagnóstico, seleção e promoção dos jovens talentosos no Brasil acontece diariamente nos mais diversos locais onde se pratica futebol. Entretanto, muitos clubes já desenvolveram métodos eficazes de avaliar e minimizar erros durante a seleção e detecção desses talentos.

Embora exista essa preocupação, muitos talentos não conseguem êxito na carreira de jogador de futebol. Isso se deve às inúmeras variáveis que permeiam o fenômeno social no qual se encaixa a modalidade futebol.

Os valores que se pode atingir com compra e venda de jogadores de futebol no Brasil e no mundo faz com que clubes formadores, empresários, dirigentes e pais queimem etapas, alterem comportamento e se esqueçam do processo educacional.

Evidente que clubes formadores sabem o que procuram, entretanto, os meios que usam para alcançar objetivos finais é o que torna o processo preocupante. Estamos cansados de ver em programas de televisão, jornais e internet o número de empresários e agentes que atuam no Brasil e todos se mostram sabedores de qual é o melhor caminho para os jovens.

Os agentes e empresários são parte do futebol, sim. Na grande maioria das vezes são os maiores parceiros dos clubes na captação e indicação de jogadores. Esse fato explica a importância desses profissionais.

Logo, em nosso país, a oferta é, sim, muito maior que a procura. Tal panorama nos faz refletir sobre como devemos lidar com as perspectivas daqueles que não farão parte desse seleto grupo, ou seja, atletas de futebol profissional e que tenham na profissão um retorno e satisfação pessoal e profissional.




Para Augusto, clubes formadores sabem o que procuram, mas alguns meios usados para alcançar seus objetivos tornam o processo preocupante 

 

Universidade do Futebol – Além disso, será que os processos de formação estão bem organizados e estruturados, com conteúdos bem definidos para serem desenvolvidos, com as equipes tendo claros os objetivos finais do processo de formação?

Augusto Moura de Oliveira – É nítida a presença de mais cursos que debatem e abordam temas relacionados ao processo de formação de jovens jogadores no Brasil. Esses eventos ganharam força nos últimos anos.

O meio acadêmico tem alcançado cada vez mais destaque no âmbito da formação de jogadores, ao passo que instituições de ensino estão formatando parcerias com clubes formadores objetivando solidificar o processo.

Para tanto, percebe-se que os profissionais que trabalham nesses clubes formadores e que participam de congressos e simpósios tornam público os meios e métodos que se aplicam no cotidiano do clube.

Diante disso, fica mais acessível para os demais profissionais tomar conhecimento da estruturação e organização dos conteúdos multidisciplinares implantados nos clubes formadores.

Universidade do Futebol – Se tratada de forma correta, a especialização esportiva ajuda no desenvolvimento das crianças nos aspectos social (relações com outras pessoas e com o mundo), filosófico (compreensão e questionamento), biológico (conhecimento e utilização do corpo), e intelectual (desenvolvimento cognitivo)? O que pensa sobre esse tema, especificamente?

Augusto Moura de Oliveira – Esse período do treinamento desportivo deve estar pautado cientificamente para que não se queime etapas; logo, o domínio das técnicas e o conhecimento das fases sensíveis dos jovens facilitarão o alcance de metas.

É igualmente importante dizer que o processo de iniciação esportiva deve estar muito bem desenvolvido para que a especialização faça parte do macrociclo de treinamento.

A literatura nos mostra o quanto um desenvolvimento do processo de iniciação esportiva se apresenta como necessário para que se submeta os jovens à especialização esportiva.

Mais especificamente, as esferas biológicas, cognitivas, sociais e filosóficas são desenvolvidas a contento quando se aplicam de maneira correta os conteúdos, nas mais diversas faixas etárias.

Como dito anteriormente e defendido por muitos autores nacionais, os jovens que estão inseridos no processo de iniciação e especialização esportiva possuem altas chances de se tornarem adultos saudáveis com hábitos e estilo de vida ativo. Entretanto, apenas praticar esportes, ou seja, a prática pela prática, pode não ser tão eficaz quanto entender e saber o porquê se pratica determinada modalidade e quais suas nuances.

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