segunda-feira, 24 de maio de 2010


O papel social do futebol na articulação da sociedade

civil global: paz


Modalidade carrega responsabilidade social impossível de ser ignorada e pode servir de exemplo para a promoção da paz
Marco Antonio Zamboni Zalamena

Estudos sobre a contribuição do futebol na socialização de pessoas traumatizadas e na promoção da paz emergiram recentemente no âmbito das Relações Internacionais. O ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, refletiu em 2006: “O esporte tem a incrível capacidade em catalisar mudanças positivas no mundo e eu imagino que nada mais possa reunir as pessoas como o futebol. Durante noventa minutos, as pessoas se tornam uma só nação” (FIFA, 2006, p. 29). Entretanto, essa função universalista do futebol deve ser analisada com cautela. Segundo Giulianotti e Robertson (2009), o futebol é geralmente palco para a violência. A Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) alega que o esporte seja um domínio onde os direitos humanos são frequentemente infringidos.

O potencial do futebol como um meio que garante a paz não pode ser completamente esclarecido, pois “garantir a paz” remete uma conotação política que torna seu estudo científico complexo (SCHWERY, 2003). Ademais, o caráter paternalista pós-colonial de algumas ONGs que atuam no Hemisfério Sul na promoção da paz dificulta o desenvolvimento do capital social das comunidades locais, as quais muitas vezes encontram-se deslocadas dos projetos sugeridos pelas próprias ONGs. Aqui, capital social é entendido quando da obtenção de retorno instrumental (econômico, político ou social) e/ou expressivo (saúde física, mental e satisfação de vida).

Em termos de legitimidade e sucesso dos projetos propostos, as ONGs têm muito mais a ganhar quando estiverem capacitadas em desenvolver práticas de trabalho glocais, demandando comprometimento, envolvimento e autonomia das comunidades locais. Um exemplo que ilustra uma iniciativa de sucesso é o Open Fun Football Schools (OFFS), organizado pela Cross Cultures Project Association, uma ONG dinamarquesa, o qual recebe fundos da Federação norueguesa de futebol, a NFF, e da UEFA. A OFFS, primeiramente estabelecida no ambiente pós-guerra civil na antiga Iugoslávia, reúne crianças oriundas de regiões em conflito para praticar o futebol; técnicos locais são treinados no intuito de promover melhores chances de vida, explicitadas nos retornos instrumentais e expressivos do capital social produzido nos indivíduos. Hoje, a OFFS pratica as suas atividades também no Oriente Médio.

Nesse contexto, as iniciativas de promover a paz através do futebol deveriam, segundo Giulianotti e Robertson (2009), ser introduzidas em locais com longa história de tensões militares e violência extensiva, como o oeste africano. Segundo um estudo pioneiro de Richards (1997) realizado em Serra Leoa, o futebol constitui um raro domínio onde jovens podem socializar e competir sob regras. O autor observou que os times locais introduziram códigos disciplinares para expectadores e jogadores que antes atuavam de forma bruta.

Na Colômbia, o projeto Football For Peace foi estabelecido em 1996 com o intuito de socializar jovens oriundos de regiões violentas e constituiu a base dos estudos do então doutorando Juergen Griesbeck, fundador da organização de lucro social streetfootballworld. Entretanto, estes locais apresentam problemas sócio-econômicos que afetam as iniciativas de utilizar o futebol para a promoção da paz. Primeiro, as ONGs necessitam projetos de longo prazo e ligados diretamente às necessidades locais. Não é raro as ONGs apresentarem estratégias muito centralizadas que acabam em não produzir os efeitos sociais esperados. Segundo, o futebol corre o risco de ter o seu papel comprometido na promoção da paz, ou até o de ser catalisador de efeitos contrários, se os problemas estruturais que acarretam os conflitos não forem solucionados, como o fim da pobreza e a ocupação ilegal de territórios. Terceiro, as contradições sociais afetam as próprias ONGs e organizações comunitárias envolvidas nos níveis institucionais, retratadas na tendência de priorizar as conexões políticas e sociais dos tomadores de decisão em detrimento da conectividade social local. Nesse sentido, as iniciativas para a promoção da paz através do futebol devem, impreterivelmente, focar o nível local.

O futebol, apesar de muitas vezes exibir seu lado violento, já é utilizado como um meio sócio-cultural que produz alguns efeitos positivos na sociedade. A despeito da tarefa difícil em decifrar o que significa “garantir a paz” através do futebol, atitudes sociais ao longo das últimas décadas adicionam, ou descobrem, a outra face do futebol, uma face que visa não praticar a violência e a intolerância.


* Marco Antônio Zamboni Zalamena é Bacharel em Relações Internacionais e acadêmico de Administração Internacional


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