É preciso conhecer de fato a real situação para planejar uma estruturação da modalidade
Rita de Cássia Bove
Quando falamos sobre futebol feminino no Brasil, o que geralmente nos vem à cabeça é uma menor parcela referente à seleção nacional, e por vezes nos esquecemos, ou, o mais comum, desconhecemos equipes estatuais, clubes, campeonatos e tudo mais que envolva modalidade. Desde muito tempo as mulheres protagonizam fatos dentro do futebol brasileiro, porém sofrem com um processo cultural até os dias atuais, estando ainda sob um papel de domínio e submissão masculina. A partir daí, podemos analisar e destacar as dificuldades encontradas pelas nossas mulheres (guerreiras), dentro desta luta constante que é o futebol feminino, sobrevivendo às “migalhas de uma mesa farta”, que é o futebol masculino. Um bom exemplo que podemos citar em função disto é referente à infraestrutura fornecida por um clube de futebol feminino às suas atletas. O que todo mundo tem em mente é apenas um parâmetro do futebol masculino, com belos centros de treinamento, uma enorme gama de profissionais da saúde para melhores cuidados, alimentação adequada e balanceada, altos salários, equipes infanto-juvenis, enquanto normalmente o futebol feminino passa despercebido, sendo invisível aos olhos da grande maioria das pessoas. Basicamente todos os clubes de futebol feminino trabalham de forma amadora ou semiprofissional, junto de parcerias com prefeituras, existindo apenas um “contrato de boca” entre as partes (investidores, clubes, atletas etc.). Alguns clubes ainda tentam buscar documentos formais para concretizar tais parcerias, mas são apenas simbólicos, e, são poucos. Foi pensando nisso que eu, atleta de futebol feminino, no término de minha graduação em Educação Física, junto de mais alguns colegas de curso, buscamos investigar e trazer de forma mais concreta como se encontra a infraestrutura dos clubes de futebol feminino no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo, que é considerado o pólo mais forte da modalidade no país, uma vez que a vivência e enorme contato com este esporte nos faz ter uma visão diferente e detalhada, dentro de alguns pontos de vista comuns. Os locais de treino por vezes são muito irregulares e a quantidade de materiais esportivos para se trabalhar são razoáveis e, em sua grande parte, improvisados, principalmente quando se trabalha a parte física (exemplo: tração elástica, feita com câmaras de pneus de bicicletas). Assim como o transporte para treinos e jogos, que muitas vezes é feito com pequenas vans ou micro-ônibus, que, cá entre nós, para um time de futebol não é muito adequado. Uma equipe de alto nível precisa de minuciosos cuidados. E a realidade com o futebol feminino é bem cruel. As despesas com viagens para jogos, por exemplo, devem ser as mínimas possíveis e, devido isso, a grande maioria das equipes acaba sendo obrigada a viajar no mesmo dia da partida. Fato este que pode interferir durante o jogo, pois envolve todo estresse mental e físico provocados pela viagem, dependendo da distância que se percorre. A maior parte dos clubes também não possui nenhum tipo de convênio médico e/ou hospitalar, o que preocupa muito, uma vez que o atleta sempre está sujeito a lesões e cuidados com sua saúde. O que acontece muitas vezes, em casos extremos como cirurgias, a atleta é obrigada a esperar na fila do sistema único de saúde (SUS), até que se obtenha a vaga. Isso quando não é forçada a buscar auxílio por si só e tem que tirar recursos do próprio bolso para arcar com as despesas. Lamentável. Outra coisa que preocupa bastante é a falta de profissionais multidisciplinares no clube. Faltam médico, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista... Somente o Educador Físico (muitas vezes representado pelo preparador físico e/ou técnico) se faz presente, talvez um dos únicos pontos positivos em relação à comissão técnica para a modalidade. Estes profissionais são de suma importância quando se busca o alto rendimento, afinal, são pequenos detalhes que diferenciam bons trabalhos e determinam melhores performances. Mas um ponto crucial quando se trata de futebol feminino está em relação aos salários, que são chamados de “ajuda de custo”, já que em boa parte dos casos nem atingem o piso mínimo salarial de nosso país. Não há também um registro em carteira, uma vez que não se tem como contratar uma atleta, assim como no futebol masculino, pois o futebol feminino “não pode” ser considerado esporte profissional (isso porque somos o “País do Futebol”...). Em contrapartida, os clubes buscam alternativas como bolsa de estudos em universidades, para que assim as meninas continuem nutrindo o sonho de jogar futebol e, desta forma, garantir um futuro pós-esporte, o que não acaba sendo uma má ideia. O interesse das meninas pelo esporte vem crescendo e já é possível ver essa crescente, mas falta investimento, principalmente nas categorias de base. Alguns dos clubes possuem “times de menores”, mas ainda é muito pouco, pois o que existe são equipes sub-18, outras categorias ainda estão em déficit. Com isso, o menino, com 17 anos de idade, por exemplo, quando vai para uma equipe principal, já chega pronto, com os fundamentos básicos do futebol bem apurados, enquanto que a menina chega para começar a aprender. O futebol feminino ainda possui muitas dificuldades e é preciso reformulação. Basta de “remendos”. Mas como melhorar se não há informações e fatos concretos que comprovem amplamente tais situações? É por isso que a dificuldade em encontrar dados que mostrem estatisticamente como se apresenta a infraestrutura do futebol feminino no Brasil, se faz urgente. Há pouquíssimos estudos. Não há, por exemplo, instrumentos, escalas ou um questionário básico como WHOQOL-100 (usado para avaliar a qualidade de vida das pessoas), que possa ser utilizado como fonte de pesquisas. Dessa forma, fica mais difícil mensurar com fidelidade em que nível encontram-se nossas equipes femininas e assim propor melhorias. É preciso improvisar muito, adaptar, buscar recursos, enfim, a grosso modo, temos que “nos virar e revirar”. É bem verdade que o futebol feminino vem evoluindo nos últimos anos, e boa parte dos clubes já melhoram muito sua infraestrutura, se comparada com décadas anteriores. Entretanto, ainda encontram-se muito aquém do que se espera para equipes de alto rendimento (equipes profissionais), pois até mesmo as condições básicas para tal, quando analisadas a fundo, são precárias. Mas são necessários dados mais fidedignos, com relatos mais expressos, das mais variadas partes que estão envolvidas neste esporte, como nós atletas, técnicos, dirigentes, familiares, entre outros, para que assim possamos saber a visão de cada um, de forma a subsidiar as análises em relação a quanto melhoramos, onde melhoramos e o que mais precisamos melhorar. É preciso termos um melhor planejamento de estruturação da modalidade. Enfim, operacionalizar uma força de trabalho que alie experiência e estudos de pessoas sérias no sentido de tirar o futebol feminino da condição de “patinho feio” do cenário esportivo nacional.
Foram considerados para a pesquisa alguns itens que acreditamos ser bem relevantes para que se possa manter uma equipe de alto rendimento, sendo eles: moradia para as atletas; alimentação; materiais e condições para treinamento; despesas de viagens e transporte; equipes multidisciplinares de saúde; convênio médico e/ou hospitalar; salários e condições de estudo.
Os resultados foram, de certa forma, satisfatórios, mas, no entanto, foi uma investigação “superficial”, pois conhecendo bem a real situação, sabemos que existem muitos problemas mascarados. E, antes de qualquer coisa, era preciso mostrar algo mais fácil de ser compreendido, para que posteriormente pudéssemos dar continuidade aos fatos.
Conforme pudemos constatar pelos questionários encaminhados às atletas dos clubes pesquisados, em sua maioria estas agremiações oferecem alojamento para moradia das atletas, porém, não se sabe exatamente qual a qualidade destes. Se o espaço para acomodar pessoas é suficiente, se as condições de higiene são adequadas, se é bem localizado, enfim, é muito mais do que só avaliar se há ou não. Quanto à alimentação, segue-se o mesmo protocolo da moradia: os clubes fornecem, mas quantas são as refeições diárias? Será que é específica para atletas? Nem sempre.